CONJUGALIDADES - PARTE I,II,III
Share this post
O convidado nesta nova gravação, em torno das conjugalidades, é Isabel Narciso, psicoterapeuta, investigadora e Professora da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa.
A entrevista teve lugar a 28 de Julho de 2011, em Lisboa, e segue a seguinte estrutura:
Parte I - Conjugalidades Felizes e Infelizes
Parte II - Modelos de intervenção na Conjugalidade
Parte III - A Formação e Treino em Terapia Conjugal e Familiar
PDF com transcrição disponível.
Edição Video em Setembro 2011
Parte I. Conjugalidades Felizes e Infelizes:como se constróem e implicações familiares
Aníbal Henriques: Isabel, obrigado por aceitares esta conversa em volta das conjugalidades. Há, hoje em dia, algum consenso quanto à importância de células familiares estáveis e saudáveis enquanto contributos decisivos para o bom desenvolvimento pessoal e social. O que é que podemos entender por um casamento saudável, à luz das ciências da conjugalidade? Temos hoje conhecimento suficiente para sabermos, com algum fundamento, se um casamento é saudável e tem futuro ou se tem os dias contados?
Isabel Narciso: Em primeiro lugar obrigada pelo convite. Eu gostava de comentar primeiro essa noção do saudável - portanto, o que é que é um casamento saudável. Eu gosto e prefiro um bocadinho aquela acepção de Whitaker de vai-se sendo saudável, porque em qualquer casamento há momentos em que se é saudável e momentos em que se é não saudável... [AH: Como um processo] ou menos saudável. Pronto. E pode ser, portanto isto, eu acho que esta noção de saudável assim em absoluto pode ser um bocado perigosa mesmo para o próprio casamento, porque se as pessoas partem para um casamento com expectativas irrealistas, sejam negativas ou positivas [AH: Que ele tem de ser só saudável, não é?] Exacto. Se têm crenças, enfim, de perfeccionismo relativamente ao casamento a coisa também pode não dar muito bom resultado. Mas posto isto, o que é que é um casamento que é processualmente saudável ou em que se vai sendo saudável...
AH: Deixa-me só perguntar-te, acabaste de recomendar que as pessoas possam de vez em quando visitar casamentos menos saudáveis? Isto é, as pessoas podem de vez em quando aceitar que podem estar em situações menos saudáveis?
IN: Ai, eu acho que devem aceitar. Acho que é importantíssimo...
AH: Foi isso que eu li do que estavas a dizer...
IN: Sim, importantíssimo. Até porque se a pessoa acha que está num casamento, se há qualquer coisa que está a correr mal no casamento e se a pessoa acha que isso é sinal de insatisfação total e infelicidade [AH: E se fecha para isso, não é?] o que é uma dificuldade transforma-se num problema. Cristaliza e transforma-se num problema. Agora, perguntaste foi em relação ao casamento saudável…
AH: Sim, se há critérios para definir isso [IN: Sim.] Como há alguns autores que definem critérios para[IN: Sim.] para se um casamento tem futuro ou não.
IN: Sim. Há alguns aspectos, que eu acho que são fundamentais e que os estudos empíricos também mostram que são fundamentais. Um deles tem a ver com o afecto positivo e que passa pela comunicação positiva - que é absolutamente essencial num casamento para ambos, e mais particularmente ainda para…no feminino, para as mulheres - a comunicação em si, a comunicação no sentido mais verbal do termo - mas também para os homens, de uma forma geral, o diálogo é importante. Mas, para além deste diálogo, há toda a afectividade que marca a comunicação e aí, quer a nível verbal quer a nível não verbal. Portanto, e num casamento que vai sendo saudável o que predomina claramente é a positividade e não a negatividade. E mesmo quando há momentos - porque há sempre negatividade - depois há uma reparação ou reaproximação que acaba por compensar. É um bocadinho, depois há todo um processamento que também é igual quando, ao que nós fazemos connosco próprios - a forma como processamos a informação. É como se nós tivéssemos umas gavetas e há as gavetas dos positivos e dos negativos, portanto, quando as coisas correm bem nós só abrimos o positivo, quando as coisas correm mal fazemos um processamento integrado, portanto e abrimos o negativo e o positivo para suavizar, por assim dizer, o negativo. É isso que acontece nos casamentos satisfeitos. Portanto, quando o outro, o parceiro, faz qualquer coisa de negativo, quando há algum acontecimento negativo, enfim um comportamento negativo, abrem as duas gavetas e fazem o processamento integrado, porque desvaloriza aquilo que é negativo, portanto, minimiza muito aquilo que é negativo.
AH: Estás a sugerir que alguns casamentos, alguns cônjuges, só abrem a gaveta do negativo?
IN: Sim. De uma forma geral, nos casamentos insatisfeitos, quando as coisas correm mal, o que se abre é a gaveta do negativo e é mais uma que corre mal. Posso referir um caso, lembro-me de um caso, de uma situação engraçada em que eu estava a questionar uma esposa sobre as características do marido e ela foi dizendo as positivas, as positivas e depois eu questionei-a concretamente pelas negativas - e é um casamento feliz já de muitos anos - e ela disse-me, “negativas, bom, ele é muito despassarado, ele é muito desorientado e isso é completamente irritante. Irrita-me mesmo mesmo. Mas, quer dizer, pensando bem também é isso que lhe dá charme. E eu, por acaso, até acho que foi isso que fez com que eu me sentisse atraída por ele.” Portanto há…
AH: O negativo transforma-se…
IN: O negativo transforma-se quase em positivo. Portanto é um sinal de satisfação. Esta questão da positividade, da comunicação positiva ou carregada de afecto positivo é fundamental para um casamento. Depois, ao nível dos conflitos, as pessoas têm muito medo dos conflitos. Mas os conflitos existem, são saudáveis…
AH: E há quem fuja deles.
IN: E há quem fuja deles; não seria necessário, nem é saudável. E o problema não é existirem conflitos, nem sequer é tanto a intensidade do conflito - quer dizer, até um certo limite, a partir de um certo limite já não é funcional e também se as pessoas não fizerem mais nada na vida a não ser estar em conflito também não será muito saudável. Mas a questão, e nem sequer é se as pessoas resolvem ou não resolvem os conflitos, porque há alguns estudos que mostram, vários estudo longitudinais, mostram que as principais fontes de conflito que marcam o início de uma relação, portanto muitos anos depois, os casais mais satisfeitos e com grande tempo de casamento, continuam a ter as mesmas fontes de conflito. Alguns estudos, nomeadamente os do Gottman mostram até que (cerca de) 64% dos conflitos não são resolvidos. Ora, esse é que é um sinal importante para uma “boa” conjugalidade. Como é que as pessoas lidam com os conflitos que não são resolvidos; o que é que acontece a seguir a um conflito. E aí, um sinal, enfim, um bom prognóstico, por assim dizer, para a relação, é precisamente a tentativa de reaproximação ou de reconciliação ou de reparação, que os dois ou um deles faz, mais directamente ou mais subtilmente, portanto, mais directamente falando no assunto “Deixa lá isso.” ou “Falamos sobre isso depois.”; ou mais subtilmente “O que é que queres para o jantar?” ou “Já telefonaste à tua mãe?”, enfim, para repor de novo o equilíbrio…
AH: Apesar do conflito…
IN: Apesar do conflito. E isso é fundamental para uma relação. Depois…
AH: O que é um pouco a capacidade para integrar os conflitos e não de [IN: Sim. Sim e não de dramatizar] compulsivamente os querer resolver e anular. Mm-hm.
IN: Sim. E de saber viver com isso. Efectivamente em qualquer área da vida nós não resolvemos os nossos problemas todos e no casal é o mesmo. Depois, também, ao nível da sexualidade. Sexualidade no sentido lato, portanto, estou a falar de namoro [AH: E de contacto físico e de] no sentido lato e no sentido restrito, uma vez que a satisfação sexual aparece sempre, consensualmente, fortemente relacionada com a satisfação conjugal. A questão do namoro, portanto nesta sexualidade mais no sentido lato é fundamental e é fundamental o pormenor por exemplo dos tempos a dois. Portanto, um casal pode não ter filhos, pode ter dois ou meia dúzia, mas é muito importante que tenham [AH: Um espaço próprio]um espaço próprio, nem que seja só uns minutos, para além das horas em que estão na cama, portanto estou a falar em que estão a dormir, portanto… [AH: Da relação activa e não…] um espaço da relação; portanto isso é fundamental para a partilha, para a auto-regulação. Enfim, para o apoio, enfim, para o mimo, para o colo, para o amor, para tudo. E que depois vai ter repercussões noutro aspecto muito importante e que também marca, enfim, uma boa conjugalidade, que é o sentido de identidade. Portanto, o sentido de nós. Aquilo a que Caillé chamava o “absoluto do casal”, portanto a terceira entidade; portanto um mais um não é igual a um, porque isso é uma visão muito fusional [AH: Exactamente.] IN: Um mais um não é igual a dois, porque é muito pragmático. Mas um mais um é igual a três, porque…
AH: O que se constrói a dois…
IN: Exacto.
AH: Muito bem. Quais são as implicações pessoais e familiares de conjugalidades felizes ou satisfeitas? Conjugalidades felizes ou satisfeitas ou saudáveis são o melhor terreno para o desenvolvimento de crianças, crianças saudáveis ou podem casais satisfeitos e saudáveis ser menos capazes como pais e o contrário, casais insatisfeitos mais capazes como pais?
IN: Bom, é que, sem dúvida nenhuma que uma boa conjugalidade será o melhor terreno para o desenvolvimento das crianças e para a educação dos filhos e para a família, como um todo. Pronto, e isso tem a ver com aquele efeito spillover em que há um transbordar, um transferir dos aspectos, enfim, da qualidade da relação conjugal para a qualidade da relação parental e para o bem-estar do próprio filho. Sendo que há uma relação directa do bem-estar conjugal no bem-estar dos filhos, mas há também uma relação que é mediada pela qualidade da parentalidade. Portanto uma boa relação conjugal está mais associada e é predictora de uma boa relação parental, que por sua vez é predictora do bom ajustamento dos filhos. Agora, quando nós falamos de parentalidade estamos a falar de muita coisa. Estamos a falar de aspectos que são mais directos ou mais imediatos, como a qualidade da relação parental, portanto isto tem a ver com o envolvimento parental, tem a ver com os conflitos com os filhos - e estamos a falar de estilos educativos. [AH: Sim.] Pronto.
AH: Isso já transcende a relação conjugal e as qualidades da relação.
IN: Mas também estamos a falar de outras coisas; estamos a falar de valores que são transmitidos, estamos a falar de padrões de vinculação, estamos a falar de competências sócio-afectivas, enfim, estamos a falar de estratégias de coping, que vão sendo aprendidas também com aquilo que se vê. No fundo, quer dizer, eu gosto muito de utilizar a palavra “dar”, quando estou a falar de pais; porque é um “d” de diálogo, é um “a” de afecto e um “r” de regras, que dá o “dar”. Portanto, e este, e precisamente através do diálogo, do afecto e das regras, deste “dar” dá-se tudo - dá-se a qualidade da relação, o envolvimento, os conflitos, os estilos, a vinculação. E portanto, naturalmente que o casal é o motor - havendo um casal, o casal é o motor - e vai ter repercussões imediatas neste sentido mais restrito de parentalidade em termos de estilos e de qualidade, mas também tem repercussões enormes relativamente àquilo que o filho aprende, sobre valores, sobre competências, sobre estratégias de coping e sobre a própria vinculação. Portanto, sobre os modelos de funcionamento interno que vai aprendendo também, através do que vê com os pais. E, portanto, eu acho que aí é preciso um cuidado enorme, porque nós muitas vezes quando somos pais estamos muito focados e naturalmente focados no imediato, portanto na criança que temos ali ou no adolescente (seja o que for) no imediato; mas não nos podemos esquecer que aquilo que nós temos ali naquele momento vai ser muito mais crescido daí a uns tempos. E aquilo que nós fazemos hoje é, sem dúvida nenhuma, ou tem uma tradução ou pode ter uma tradução no jovem adulto - naturalmente, isto com a devida relatividade do que é que é ser determinante - mas contribui para muito daquilo que do adulto que vai ser a criança que é hoje. E até da própria relação conjugal que vai ter quando for adulto, enquanto hoje é criança e está a assistir à relação conjugal dos pais.
AH: Deixa-me ver se eu entendi. No fundo estás a dizer que embora casais mais satisfeitos e mais capazes relacionalmente possam ter um impacto grande no bom crescimento dos filhos, apesar de tudo, estás a dizer que existe uma parentalidade que é autónoma, uma capacidade parental que é autónoma da capacidade conjugal.
IN: Quer dizer, não é bem isso; o que eu estou a dizer é que, sem dúvida nenhuma, que a conjugalidade afecta a parentalidade.
AH: Ok.
IN: O que não significa que num casal...e temos de perceber também, e isso é muito importante, de que disfuncionamento conjugal é que nós estamos a falar. Há limites. Portanto, se for uma disfuncionalidade que é a violência, portanto, não tem... Agora, há limites, há graus diferentes de disfuncionalidade. Aquilo que eu penso é que, pelo menos até um certo limite, é possível que pais, que um casal que não esteja bem que consiga permanecer bem, em termos de envolvimento parental, em termos de qualidade com o filho, em termos de estilos parentais, até um certo limite. Até porque, sabe-se que conjugalidades onde há uma grande hostilidade, portanto isso depois é gerador de uma parentalidade também hostil. Mas o mesmo já não acontece relativamente às outras aprendizagens que se fazem. Portanto, aí eu acho que é muito difícil um casal que esteja disfuncional que consiga passar competências adequadas, estratégias de coping adequadas.
AH: Muito bem. Muito bem. Quando é que podemos dizer que um casamento está seriamente em risco?
IN: O risco, também tínhamos de perguntar risco em relação a quê. Risco de deterioração?
AH: Sim. E de ruptura.
IN: Risco de ruptura, risco de emergência sintomática? Há vários riscos... risco de divórcio? Bom, a questão que eu referi há pouco da negatividade versus positividade, portanto quando há uma grande hostilidade, quando a afectividade é marcadamente negativa, e recíproca, acho que o risco é enorme. E é aquilo a que Gottman também chama a escalada para a ruptura, muito embora muitos casais, até pela sua própria história e, enfim, pelas suas próprias vivências, não conseguem caminhar para a ruptura, caminham muitas vezes para a emergência na família, emergência sintomática, num deles ou nos filhos, portanto, pode acontecer. Eu acho que essa questão da negatividade é absolutamente [AH: Crucial.] crucial. Depois, há... todos aqueles aspectos que referi há pouco como sendo de uma boa conjugalidade, se não existirem de todo ou se se forem apagando de todo, também coloca o casal em risco. O casal até pode não...até pode não ser um casal conflituoso, mas se se vai instalando o silêncio, se se vai instalando a distância, se a sexualidade já não mexe, portanto, se não há desejo, não há prazer, não há tanto, começa a instalar-se que acaba por romper por algum lado. Portanto, ou rompe a relação, ou rompe um deles, ou rompe um dos filhos, porque há um mal-estar grande. Há um outro aspecto que eu há pouco não referi e que eu acho muito importante e que penso, embora isto seja opinativo, portanto não é com base em nenhum estudo. Mas eu penso que um dos factores que... as taxas de divórcio estão elevadíssimas. Portanto, numa sociedade ocidental, diria entre 49 e 64%, nós em Portugal estávamos nos 49%; no ano passado a taxa subiu para 64 vírgula tal por cento.
AH: Vês isso como um sinal positivo ou negativo?
IN: Vejo isso como um sinal negativo, claramente. Porque eu acho que - e tem a ver com o que eu ia a dizer, acho que, há factores, há factores micro... há factores contextuais, portanto, seja do indivíduo, seja, enfim, das relações mais próximas, sejam factores mais distais ou mais macro que empurram muito neste sentido, da separação.
AH: Ok.
IN: Por exemplo, os valores actuais são valores muito individualistas. Nós estamos a atravessar uma era de grande individualismo e de grande consumismo. Portanto, quer dizer, nós já estamos... antigamente um carro durava não sei quantos anos; agora dura quatro e está velho.
AH: Tudo é descartável, não é?
IN: É tudo descartável. Portanto, eu acho que, e corre-se muito o risco, e acho que isso já se nota, de isto passar também para as relações, portanto, não está bem, muda-se.
AH: Muda-se.
IN: E é muito interessante porque...depois de uma década, portanto em 90, fez-se um estudo para perceber o impacto que o divórcio tinha nas crianças, ao fim de dez anos. Comparativamente com anos anteriores chegou-se à conclusão que o impacto negativo era menor e era menor porque o divórcio era mais comum, não é? Portanto já não havia tanto aquele estigma e também porque havia mais recursos preventivos e terapêuticos para lidar com estas situações. Portanto, passado 10 anos voltou-se a fazer o mesmo estudo e esperava-se que o impacto negativo fosse ainda menor, não é? Uma vez que o divórcio era cada vez mais comum.
AH: Claro.
IN: E foi exactamente ao contrário, o impacto negativo nos filhos aumentou e a explicação que se encontrou passa muito por este facilitismo do divórcio. Ou seja, para uma criança é completamente nocivo uma elevada conflitualidade entre os pais - e portanto aí muitas vezes se o divórcio se não for seguido da continuidade da conflitualidade até pode ser um alívio - mas é igualmente nocivo quando está tudo bem e de repente os pais separam-se sem os filhos perceberem porquê.
AH: Muito bem, és claramente contra a facilitação do divórcio.
IN: Sou, claramente.
AH: Uma última questão ainda neste bloco - a ‘monogamia é a vaca sagrada do ideal romântico’ -alguém disse - e a ‘infidelidade sexual o maior pecado ’. As infidelidades conjugais precisamente acontecem e fala-se até de um novo triângulo casal-tecnologias. Qual é o papel da infidelidade na instabilidade conjugal e como é que se recupera da infidelidade. É possível recuperar da infidelidade?
IN: A infidelidade tem um papel importantíssimo. Há áreas da conjugalidade em que os estudos não são muito consensuais e há outras em que são muito consensuais. E a fidelidade aparece como preditora e predita da disfuncionalidade conjugal e, embora naturalmente que há sempre relações em que aparentemente está tudo bem, em que as pessoas se sentem bem e a infidelidade ocorre, em todo o caso, o que os estudos mostram é que há uma forte associação entre infidelidade e mal-estar conjugal, insatisfação conjugal, seja o que for. Depois a infidelidade é muito difícil porque os sintomas gerados pela descoberta da infidelidade são muito semelhantes aos sintomas de stress pós-traumático. São resultados muito semelhantes. Com todos os sintomas que se conhece do stress pós-traumático, desde a depressão, a ansiedade. Quando há depressão é preciso haver uma boa avaliação porque pode haver mesmo tentativas de suicídio, comportamentos auto-destrutivos, mas depois todo o mal-estar que é gerado, a intrusividade, a obsessividade, todos aqueles sinais que estão presentes em situações de stress pós-traumático estão presentes na infidelidade. A perda de confiança no outro - portanto o mundo deixa de ser previsível - se a pessoa tinha uma relação de absoluta confiança, tanto quanto é possível ser seguro. E é desencadeadora de muitos sentimentos negativos, quer naquele que foi infiel quer naquele que sofreu a infidelidade. E portanto isso depois é gerador de interacções muito negativas. É uma situação muito difícil de, enfim, recuperar. É recuperável, depende também não é? É mais difícil recuperar o equilíbrio conjugal após uma relação de infidelidade, é mais difícil se for reincidente, é mais difícil se o elemento que foi infiel não quiser falar sobre o assunto ou recusar assumir a sua responsabilidade, ou se continuar na relação extra- conjugal e não a quiser terminar.
AH: Temos aí uma outra variável que é a distância ou a proximidade que existe num casal.
IN: Sim, sim. É mais difícil se a pessoa que sofreu a infidelidade já previamente for uma pessoa com baixo nível de auto-confiança e baixo nível de auto-estima; é mais difícil se a pessoa que sofreu a infidelidade continuar com uma carga negativa muito grande e numa postura de acusação e de punição do outro. Enfim há uma série de factores que podem dificultar, mas é recuperável.
AH: Ao contrário da distância, recuperar quando a distância é muito crónica é mais difícil não é?
IN: Sim, sim, é preciso uma intervenção faseada. Primeiro mais centrada no impacto da revelação, depois na procura do sentido e esta procura do sentido tem de ser uma procura do sentido mais sistémica porque há o infiel - entre aspas - há a pessoa que sofreu a infidelidade, e as características de um e outro são importantes, há as características da relação e o estado da relação e há o contexto, o contexto onde se insere também o terceiro elemento do triângulo. Mas, para além disso, a forma como os amigos empurram, não empurram, como o trabalho empurra ou não; outros factores de stress que estejam a ocorrer. E é preciso conseguir-se encontrar um sentido, como um reenquadramento.
AH: Aceitável para ambos, não é?
IN: Sim e para depois então se poder seguir em frente e recuperar.
AH: Muito bem. Perfeito. Mudamos de tema?
Parte II. Modelos de intervenção na Conjugalidade
AH: Isabel, alguns autores identificam três períodos na história da investigação em terapias conjugais. O primeiro, nas quatro décadas entre 1930 e 1970 em que era muito mais o que não se sabia do que o que se sabia e que se designou pelo período das técnicas à procura das teorias – devia ser um período agradável, não é? Um segundo período nas duas décadas entre 1975 e 1992 em que surgem os primeiros estudos de resultados comparativos e se estabelecem os primeiros fundamentos empíricos, relativos à eficácia das abordagens - o que alguns chamam a este período de alguma exuberância irracional, no sentido em que se sabe que resulta e isso é satisfatório, mas sabe-se muito pouco ainda como é que resulta. E, finalmente, o período actual, duas décadas de 93 até ao presente em que já não basta dizer que resulta a terapia conjugal, as intervenções conjugais, é um período em que alguns designaram por cautela e extensão ou aprofundamento e em que se investigam questões como quão abrangente e duráveis são os efeitos positivos das abordagens interventivas; quais os efeitos negativos e de deterioração das mesmas abordagens; qual a eficácia e eficiência relativa de diferentes abordagens; quais os factores do terapeuta e quais os factores dos pacientes ou casal que predizem bons resultados; ou ainda quais os processos centrais de mudança. Em termos de investigação, interessa-te algum destes temas em particular?
IN: Bom em termos de investigação eu sou mais dada à investigação no âmbito da psicologia da família do que na terapia [AH: conjugal.]Por enquanto, não é? Em todo caso, se eu investigasse processos terapêuticos há um aspecto que eu tenho assim uma ideia até um pouco mais concretizada, apesar de não ter de momento qualquer intenção de ir por aí. Mas seria uma investigação que permitisse conjugar o compreender os processos de mudança muito associados ao impacto da sessão – portanto, de cada uma das sessões - que conjugasse isso simultaneamente, ou que permitisse simultaneamente constituir um feedback para o próprio terapeuta, no sentido de depois poder corrigir, corrigir no sentido de, enfim do seu percurso e o que é que ele faria diferente a seguir e a seguir face a esse feedback. Portanto, seria quase uma investigação-acção. E isto eu pensaria, por exemplo, utilizando uma estratégia que às vezes se utiliza que é pedir aos pacientes ou aos clientes que façam uma narrativa pós-sessão - como prescrição que façam uma narrativa pós-sessão e a sessão seguinte começa com essa mesma narrativa. [AH: Ok, fazendo a ligação.] IN: E portanto trabalharia em termos qualitativos por aí nessas narrativas. Mas seria muito nos processos de mudança mas associados também ao feedback que a própria pessoa constitui para o terapeuta, não é?
AH: Muito bem, interessante sim. Nas duas últimas décadas, modelos e intervenções especificamente conjugais, educacionais como a do John Gottman ou de cariz humanista e experiencial como a Emotion-Focused Therapy do Les Greenberg e Sue Johnson, parecem ter roubado, segundo alguns autores, influência às abordagens sistémicas dos anos 80. O que é que trouxeram de novo a este campo de intervenção estas abordagens de Gottman, de Greenberg e Johnson e, em particular, as sócio-construcionistas como as Terapias Narrativas ou as Terapias Focadas nas Soluções?
IN: Humm… Bom, relativamente… - eu acho que me vou alongar um bocadinho…
AH: Ok.
IN: Relativamente às Terapias Sistémicas e à perspectiva sistémica a forma como eu situo esta questão é assim: portanto, há um quadro teórico em que eu me situo e que é um quadro de complexidade sistémica.
AH: Ok, é o teu ambiente preferido.
IN: Sim. E que eu gosto de acrescentar a complexidade porque durante muito tempo, ou enfim nas primeiras fases da Terapia Familiar Sistémica, esta noção de complexidade ficou um pouco perdida.
AH: Ok.
IN: Complexidade vem de complexus que significa entrelaçar e, portanto, estamos a falar de um entrelaçado de partes que com as características de cada uma das partes mais este entrelaçado, portanto esta vertente relacional, constituem um todo que tem um significado e um sentido único.
AH: Ok.
IN: E, portanto, daí para mim é muito importante aquela ideia de Pascal de que não é possível ou é difícil conhecer o todo sem compreender as partes, assim como conhecer as partes sem compreender o todo. Portanto, esta é a minha carta conceptual. É o meu ponto de vista, o que significa que a partir deste ponto de vista sempre que eu olho para um indivíduo, para um casal, para uma família, enfim para uma organização, eu vejo um sistema - um sistema complexo e que me leva a olhar para os indivíduos e a olhar para as relações. Isto ficou perdido na Terapia Familiar Sistémica durante muito tempo porque o foco era muito o todo, a relação e não era valorizado - e por vezes era mesmo desvalorizado - o indivíduo, a parte. Ou seja, não se tinha muito em conta a singularidade, não se tinha muito em conta a história, porque é a história que faz a singularidade. E, portanto, as famílias, era um pouco como se as famílias fossem todas muito iguais. Quanto muito podíamos classificá-las, tipologizá-las em funcionais-disfuncionais e, depois dentro das disfuncionais, por exemplo, mais emaranhadas ou desligadas, enfim. E se as famílias eram todas muito iguais então o terapeuta sabia tudo a priori sobre a família, previamente sabia tudo. E, portanto, se a família estava disfuncional acabava por ser uma máquina avariada, sem grande conteúdo, sem grande história e que ia ao terapeuta que procurava reparar essa máquina e que se centrava sobretudo no aqui-agora, sobretudo no aqui-agora interacional, sem valorizar muito os conteúdos e sem valorizar a dimensão temporal. Como há aquela metáfora que é habitualmente utilizada para explicar que é um bocadinho como se fosse um jogo de xadrez - para dar continuidade a um jogo de xadrez eu não preciso de saber as jogadas anteriores, não é?
AH: Ok.
IN: Portanto o terapeuta também sabia o que é a funcionalidade, o que é a disfuncionalidade, mas a singularidade do indivíduo e, consequentemente, a singularidade da família não era tida em conta. O tempo não era tido em conta. Isso era um limite, um limite grande da Terapia Familiar que depois face a estes limites e, sobretudo pela grande influência do construcionismo social, a Terapia Familiar Sistémica entrou numa 2ª fase - enquadrada no dito movimento da 2ª cibernética - onde as singularidades, o tempo, a história, o processo (sendo que o processo é indissociável de tempo) tudo isso passou a ser central. E relativamente às Terapias Narrativas, por exemplo, é aí que entram. Portanto, é neste quadro que entram e que é uma mais-valia enorme e, a meu ver, completamente compatível e a vários níveis, com este ponto de vista sistémico porque eu… portanto, a narrativa, as Terapias Narrativas permitem-me aceder ao indivíduo - à parte - porque eu posso aceder e compreender e co-construir ou co-desconstruir a narrativa daquele indivíduo - mas essa narrativa por sua vez é co-construída por ele e outros e também pelo terapeuta. E, portanto, aqui já estou a aceder ao todo ou a todos um pouco mais vastos - enfim, o conceito de holon dá muito jeito em vez de sistema, porque é holos mais on e portanto, dá muito esta ideia desta dança entre parte e todo. E portanto estas Terapias Narrativas, para mim, são muito consistentes e muito compatíveis com este ponto de vista sistémico. E depois também porque através do questionamento pela narrativa eu posso co-agir com o sistema mais ao nível cognitivo ou mais ao nível emocional ou mais ao nível comportamental, não é? Onde se toca depois também é - onde se toca mais - depois também é muito em função daquilo que a família traz ou daquilo que está em causa, ou do próprio estilo…
AH: Precisamente, como é que vês a integração com esse teu quadro conceptual? Como é que vês a integração das emoções e de tudo o que se sabe hoje em dia com base nas neurociências das emoções, e nomeadamente no modelo da Terapia Focada nas Emoções do Les Greenberg, como é que vês a integração nesse quadro conceptual sistémico?
IN: Faz-me todo o sentido porque é um bocadinho aquela ideia do... [AH: outro holon não é] sim. Faz-me todo o sentido porque as emoções acabam por ser a tal força organizadora de tudo - não é? Não são aquela força destrutiva do que deve ser mas não. Portanto, são organizadoras, são guias adaptativas e isso é absolutamente fundamental. É um pouco aquela ideia de - enfim, também já muito trabalhada pelo MRI por Watzlawick que já vem do filósofo Epícteto – que dizia ‘o que me aborrece não são as coisas mas as opiniões que eu tenho sobre as coisas’. E, portanto, aquilo que é a minha imagem da realidade é muito trabalhada através deste lado muito mais emocional, muito mais holístico e muito mais analógico.
AH: Muito bem, muito integrável, não é?
IN: Sim.
AH: As ciências da conjugalidade oferecem hoje uma considerável quantidade de manuais de autoajuda e uma miríade de orientações e guiões para melhorar a comunicação e as relações conjugais. Alguns institutos como o do casal Gottman oferecem mesmo dicas diárias no facebook. Parece-te que há público conjugal interessado em tirar partido dessas aprendizagens e reflexões preventivas ou curativas? Em Portugal educamos ainda muito pouco em termos conjugais – tens opinião sobre isto?
IN: Sim. Em Portugal faz-se muito pouco (começando por aí). Começa agora a haver alguns prenúncios de qualquer coisa diferente. Mesmo até em termos da própria preparação pré-conjugal - preparação para o casamento – que seria importantíssima e que em Portugal é feita muito ao nível das paróquias e cada uma à sua maneira sem grande impacto, penso eu, a médio/longo prazo. Até porque este tipo de ações mais educativas – sejam pré-conjugais ou conjugais – que eu acho que seriam importantíssimas. As pré-conjugais importantíssimas, as conjugais também importantíssimas até por uma questão de reciclagem e de reflexão, das pessoas refletirem um pouco. Mas não propriamente em termos de facebookou dica aqui e dica ali. Portanto, este tipo de formações, ao que se sabe, as que têm mais impacto continuado (portanto, a médio/longo prazo) necessitam de intervenções de 6 a 9 sessões para ter algum impacto. Pode ter algum impacto imediato muito forte mas depois, naturalmente a pessoa esquece. Mal não faz - não é? A pessoa chegar ao facebooke ler que se calhar é melhor fazer isto ou aquilo, mal não faz e pelo menos leva a pessoa a refletir um pouco. Agora, para ter impacto de facto eu acho que era importante, sobretudo em determinadas etapas – não é? – na passagem para o casamento, na transição para a parentalidade, a transição para a adolescência dos filhos, acho que era muito importante [AH: são momentos críticos e cruciais]. Sim, sim. Agora, estes manuais que surgem com alguns exercícios podem ter um outro “aproveitamento”, não tanto educacional mas também já terapêutico e muito ligado precisamente à questão das emoções. Gottman, por exemplo, num dos livros de Gottman ele oferece variadíssimos exercícios de autoajuda mas que podem ser perfeitamente e com sucesso (eu utilizo frequentemente alguns desses exercícios) enquanto prescrições ritualizadas que o casal vai cumprir em casa mas sob a forma de um ritual.
AH: Portanto, integrado no próprio processo terapêutico.
IN: Sim, integrado no próprio processo terapêutico. É muito engraçado porque tem um impacto muito forte e tem um impacto muito forte ao nível da positividade. Há um exercício que tem muito a ver com o conhecimento do outro e que no fundo serve para enriquecer ou potenciar a intimidade emocional do casal e que eu ritualizo aquilo e eles chegam muito felizes com a prescrição e bem dispostos... portanto cria um clima...
AH: São instrumentos úteis, de facto não é?
IN: É, é...
AH: Muito bem. Mudamos de tema outra vez – está bem? [IN: sim.]
Parte III. Formação e Treino em Terapia Conjugal e Familiar
AH: Muito bem. OK, Isabel, William Doherty identifica 10 grandes erros que podem ser cometidos por terapeutas conjugais, entre os quais, permitir que os cônjuges interrompam e se ataquem mutuamente na sessão; permanecer pelo esclarecimentos dos temas problemáticos mas não avançar para estratégias que permitam mudanças; falhar na ligação ou na aliança a ambos os cônjuges; não avançar suficientemente depressa quando o compromisso e a separação ou o divórcio estão em cima da mesa ou que o casal está muito em perigo; ou ainda desistir da relação quando o terapeuta se sente perdido ou sem capacidade de ajudar. Estou a citar apenas alguns dos 10 grandes erros que são passíveis de ser identificados nos terapeutas conjugais. De acordo com o autor, todos sugerem falta de preparação para intervir na conjugalidade. Queres comentar ou sublinhar algum destes erros? Como é que estão as escolas de terapia conjugal em Portugal e que desenvolvimentos imaginas necessários ou prováveis, ao nível do treino e formação?
IN: Bom, em relação aos erros eu sou muito desconfiada em relação a receituários, sejam eles de técnicas ou de erros, portanto, acho sempre um bocadinho estranho podermos receitar técnicas sem saber com que pessoa ou pessoas é que estamos à frente assim como os erros, no mesmo sentido. [AH: exacto] Bom, desses todos que tu referiste aquele que me parece – sim, é um erro – é o que tem a ver com a aliança. [AH: Exactamente, é crucial. Esse é capital] É capital e acho que é - poderíamos dizer – que é universal, seja qual for a abordagem terapêutica. Depois, o último do desistir, do terapeuta [AH: Quando se sente perdido] bom, acho que é uma virtude! Se está perdido ou se acha que por alguma razão que tenha a ver com os seus valores ou tenha a ver com a sua incompetência especifica naquele momento ou incapacidade específica naquele momento, acho que sim – tem mesmo mais é que reencaminhar o caso para alguém que...
AH: É mas eu creio que aqui o Doherty está a dizer que ele não reencaminha, que o terapeuta não reencaminha que desiste e inspira-se nessa desistência...
IN: Não reencaminhar obviamente que será um erro, mas...
AH: Mas desistir também é uma virtude - não é?
IN: É uma virtude. A pessoa tem que ter noção dos seus limites e parece-me até ético. [AH: Estavas a ver como uma virtude.] Exato. Depois... qual é que era o primeiro?
AH: O primeiro era permitir que os conjugues se interrompam e se ataquem mutuamente...
IN: Ah, sim! Não acho nada um erro. Acho que depende muito... aí claramente depende – pode ser estratégico – não é? – pode ser até muito importante para tornar visível um determinado [AH: As disfunções, os símbolos] ciclo interativo negativo e que pode ser comentado depois na hora ou, se estiver a ser filmado, até pode ser utilizado com o casal o filme depois para se poderem observar a si próprios.
AH: OK. Também pode ser útil. Eu creio que o Doherty estava a referir a possibilidade de ser re-traumático.
IN: Parto do princípio que o terapeuta é capaz de controlar uma situação e não deixar passar um certo limite, não é? Isso já é incompetência a mais [risos]. Não me lembro dos outros.
AH: OK, mas já comentaste. Como é que estão as escolas de terapia conjugal em Portugal?
IN: Em termos de terapia conjugal... [AH: conjugal, capacidade de treinar para esta área específica - porque é mais específica que requer competências específicas.] Sim, ahm... eu vou-me limitar a falar daquilo que eu sei das escolas sistémicas, não quero estar a falar das outras. Das escolas sistémicas, portanto, eu diria que há uma escola grande – a Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar. Durante algum tempo, durante alguns dos últimos tempos, a Associação Portuguesa de Terapia Familiar e Comunitária do Professor Pina Prata também estava a funcionar. Neste momento o Professor Pina Prata está menos disponível e, portanto penso que não esteja neste momento a funcionar. Mas eu diria que a formação é muito restrita ou muito menor do que aquela que seria necessária – isto em termos de Terapia Familiar. Naturalmente, em termos de Terapia Conjugal mais restrita ainda e sempre enquadrada no âmbito da Terapia Familiar, que era necessário mais...
AH: Sobre outras escolas não sabemos – não é? – sobre outras escolas, nomeadamente as cognitivo-comportamentais ou construtivistas...
IN: Não sei. Eu penso que estarão muito mais centrados na psicoterapia individual do que propriamente conjugal.
AH: Exatamente, embora muitos modelos de intervenção conjugal têm orientações cognitivo-comportamentais [IN: Claro, claro] ou construtivistas ou outras ...
IN: Mas aquilo que eu conheço - às vezes, enfim porque tenho alguma proximidade um pouco maior mas dá-me ideia que a experiência que têm é muito mais em termos de psicoterapia individual do que conjugal ou familiar. Independentemente de... mas não sei...
AH: São, são... Se bem entendi a tua resposta há limitações enormes, não é? Há limitações enormes a nível do treino ...
IN: Sim, eu acho que sim.
AH: Porque a Terapia Conjugal e a Terapia Familiar exige mais técnica e competências por parte dos psicoterapeutas do que as terapias individuais, estarias de acordo? [...].
IN: Olha, eu não sei se exige mais técnicas e competências. Eu acho que exige algumas competências [AH: específicas] específicas, diferentes. Nomeadamente, por exemplo, numa que eu acho que me parece evidente é a própria forma do questionamento – o questionamento é a estratégia central [AH: Exatamente, sim, sim] quando nós falamos em Terapia Familiar ou Conjugal. Portanto, aí é o que é muito diferente. Depois, o facto de não termos, não termos só uma pessoa – temos mais do que uma muitas vezes – exige também uma competência muito específica de uma observação multifocal [AH: Como uma gestão da aliança mais delicada... ]que exige uma maior capacidade de divergência do próprio pensamento também mais treinado na divergência do que na convergência. Depois, ao nível da comunicação, a comunicação não-verbal quando temos várias pessoas é absolutamente essencial. Eu acho que, isto para mim será uma das principais dificuldades porque nós muito facilmente ficamos presos às histórias e se eu estou com uma família e estou muito presa à história que me está a ser contada começo a esquecer de ver o que é que está a acontecer ao pai quando a mãe está a dizer “x” ou o filho. E depois quando estamos no tal quadro conceptual sistémico a fazer e temos só um indivíduo à frente – não é? – o questionamento aí ainda se torna mais importante, portanto, o questionamento circular. Depois a necessidade de passar – a necessidade de ser sistémico não é só, ou o ser sistémico não faz só parte do terapeuta mas há uma intenção também de passar para a família esta linguagem sistémica. Isso também exige um treino específico. Não vou dizer que seja mais difícil. Acho que é diferente.
AH: Muito bem. Olha, um bom psicoterapeuta conjugal necessita de ter boas competências psico-educacionais - no sentido de educar conjugalmente - mas também curativas para saber lidar com padrões relacionais e crenças subconscientes e respectivas resistências, de forma a promover transformações no sentido da mudança. Concordas com a necessidade de integrar e cruzar intervenções preventivas e educacionais versus terapêuticas e curativas, e que as escolas oferecem alguma destas intervenções mas não ambas? Portanto, as escolas eventualmente são mais psico-educacionais ou mais curativas mas integram-nas menos bem?
IN: Sim. Acho que estão um bocadinho dicotomizadas mas eu acho que as duas vertentes são importantes e são fácil - penso eu, não é?- são facilmente integráveis. Por exemplo, o lado mais educacional ou psico-educacional – eu faço muito frequentemente, por exemplo, com a intenção precisamente de despatologizar ou de normalizar. Portanto, isso é perfeitamente integrável. Depois, como há pouco eu dizia, o utilizar determinados instrumentos ou materiais que podem ser – enfim – podem ter sido construídos com uma intenção mais educativa mas que podem ser facilmente transformados em prescrição mais terapêutica, às vezes quase em provocação ou em desafio para o casal ou para a família. Naturalmente, sem nunca deixar de ter em conta que o central será mais o lado mais terapêutico, no sentido curativo [AH: da transformação], sim. Da mudança, não é? E mais uma vez as terapias narrativas permitem muito bem esta dança, portanto, entre o educacional e, e, enfim, o lado mais transformativo.
AH: Muito bem. Agora talvez uma última questão. Não sei se é difícil, se é fácil: pode-se ser terapeuta [...]
IN: Desculpa, em relação ainda a esta questão, em relação às narrativas e à intervenção pela narrativa – e isto também se prende há bocadinho com a questão das emoções, não é? É muito, as narrativas (que também podem ser situadas diferentemente em termos temporais) não são só verbais. E muitas vezes o trabalho com as emoções faz-se muito mais facilmente (facilmente entre aspas) pelas narrativas não-verbais – com as esculturas, com as coreografias. [AH: À, ok, hum-hum] Portanto, com todo um jogo do não-verbal que com determinadas pessoas até é mais fácil - não é? – se tivermos crianças ou se tivermos homens também que são menos verbais. O jogo pela imagem, o jogo pelo jogo, pelo próprio jogo, pela construção de máscaras.
AH: Podem ser um melhor veículo das emoções, não é?
IN: Sim, sim.
AH: Acredito... Muito bem. Então e finalmente esta questão: pode-se ser terapeuta ou conselheiro conjugal sem nunca ter estado numa relação conjugal?
IN: Olha, eu acho que sim. Porque se não, quer dizer depois também não se podia... se isso fosse um limite também não se podia ser terapeuta ainda que conjugal numa situação de infidelidade se não se tivesse vivido uma situação de infidelidade ou se não se tivesse filhos não se podia [AH: Teríamos que experimentar tudo], não é? Portanto, é evidente que pode ser mais fácil, ou até às vezes mais difícil, o ter passado por uma determinada experiência. Isso também depois depende da forma como a pessoa vive a experiência. Estava-me a lembrar concretamente nos casos de morte, de lidar com a morte de – enfim, ter uma família em que morreu um filho ou em que morreu uma mãe, se a pessoa não vivenciou a morte não é por isso que não consegue intervir. Se tiver vivenciado uma morte, depende da forma como [AH: a experienciou] a vivenciou... [AH: muito bem] mas pode ser até mais rico.
AH: Portanto, não te parece um limite.
IN: Não.
AH: Muito bem. Isabel, foi fantástico. Muito obrigado.
IN: Obrigada.
Transcrição: A.Ganho, B. Afonso & T. Alfama