Part III - Manuais, tratamentos empiricamente suportados, evolução das psicoterapias.    
Part IV - Formação e Treino de Psicoterapeutas    

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O convidado nesta nova gravação, desta vez em volta da psicoterapia e neurociências,  é o Professor Óscar Gonçalves, psicoterapeuta, investigador e Professor Catedrático de Psicologia da Universidade do Minho.

A entrevista  teve lugar a 19 de Fevereiro de 2011, em Lisboa, e segue a seguinte estrutura:

Part I - Da Psicoterapia às Neurociências.
Part II Modelos e Práticas em Psicoterapia, integracionismo.
Part III - Manuais, tratamentos empiricamente suportados,  evolução das psicoterapias.
Part IV - Formação e Treino de Psicoterapeutas
Part V - Questões dos participantes (apenas em PDF)

English Transcript version Soon.

 Psicoterapia e Neurociências | PDF

 Part III - Manuais, tratamentos empiricamente suportados, evolução das psicoterapias

 Part IV - Formação e Treino de Psicoterapeutas

 Part V - Questões dos participantes

 Lista de Questões

    Part III - Manuais, tratamentos empiricamente suportados,  evolução das psicoterapias.

    A.H.: Como saberás, continuamos a observar um esforço grande no sentido da manualização da psicoterapia pelos modelos empiricamente suportados também, mas não só. Continuamos de alguma forma, e apesar de todas as vantagens heurísticas dos manuais, a correr o risco de tomar “a nuvem por Juno” , e portanto a teoria pelo paciente, o manual pelo cliente. Achas que os manuais mudaram ou melhoraram, de algum modo, nos últimos anos e, se sim, em que sentido?

    O.G.: Pois, eu acho que os manuais cumprem funções mas têm os seus perigos, não é? Aliás, quando se começaram a definir os critérios para as terapias empiricamente validadas tinha que se fazer a manualização - tal como no ensaio clínico de um fármaco temos de saber de que forma o fármaco é prescrito. Portanto, não podemos perceber se a psicoterapia que está a ser prescrita é efectivamente aquela se ela não estiver de alguma forma manualizada, ou seja, se não puder seguir um conjunto de prescrições. É evidente que pela natureza do processo terapêutico é muito difícil fazê-lo como se faz na psicofarmacologia. Aliás, na própria psicofarmacologia é complicado porque, como costumam dizer os grandes especialista em causao médico também se prescreve a si próprio juntamente com o medicamento, não é? E, portanto, é muito difícil separar estes tipos de coisas. Os manuais podem ser um caminho de auto-disciplina importante, desde que a pessoa tenha capacidade de trabalhar os próprios manuais. Percebermos o que é que são os elementos centrais do manual, como fio condutor do processo terapêutico. Eu acho que muito do processo terapêutico, muitas das pessoas perdem-se no processo terapêutico. Um dos grandes riscos para os psicoterapeutas é não saberem onde estão nem para onde vão com o paciente. E os manuais podem dar uma certa compreensão de manualização, uma certa disciplina no próprio processo terapêutico. Mas é preciso perceber que não há, no melhor manual, a resposta a todas as instâncias terapêuticas que se colocam. A psicoterapia é também (não é só isso, mas é também) um encontro interpessoal e o processo interpessoal da psicoterapia é também uma fonte de mudança do próprio, dos próprios processos do paciente. E a forma como o terapeuta está capaz de jogar isto, no próprio momento terapêutico, é dificilmente manualizável. Portanto, para dar uma resposta procurando ser o mais simples a uma questão que é de facto de grande complexidade, eu diria que os manuais foram importantes, continuam a ser importantes e serão ainda mais importantes à medida que nós percebermos a especificidade do nosso trabalho terapêutico mas é preciso ter cuidado porque nem tudo é redutível ao manual, aqui como na mais sistemática cirurgia.

    A.H.: Exactamente. Em 2005 publicaste com Larry Beutler um volume sobre métodos de selecção de tratamentos. É esta a tua perspectiva do que poderá ser integração e a escolha de métodos de intervenção clínica, ou uma das perspectivas?

    O.G.: É, embora eu ache que ainda fica um pouco aquém. Evidentemente que eu não estou capaz, quem dera que eu estivesse capaz de fazer melhor do que aquilo. Mas o que eu acho… nesse livro, nós trabalhamos essencialmente métodos de selecção sistemática de tratamento em função de características específicas, de variáveis específicas dos pacientes. Como sabes, isso não é um processo que tenha a ver com alguma originalidade da minha parte, é um processo que o próprio Larry Beutler lançou e que eu acho que foi importante, no sentido de se perceber em função de determinadas características, níveis de resistência, características de coping do paciente, níveis de internalização ou externalização, nós podermos guiar melhor o nosso processo terapêutico, em função destas características – lá está, são complementos ao manual terapêutico. No entanto, isto não é só isso. Nós não lidamos só com pessoas, nós lidamos com os problemas que as pessoas têm e isso falta ainda muito nesse livro...

    A.H.: Essa variável, não é?

    O.G.: ... esse é o trabalho que eu gostaria de poder fazer, no futuro.

    A.H.: Hum hum. Identificas ou sublinharias algum desenvolvimento positivo entre as psicoterapias nos últimos anos? E negativos?

    O.G.: Começaria pelos negativos. Embora eu tenha sempre uma perspectiva bastante positiva face ao desenvolvimento da ciência, e da psicologia em particular, eu começaria pelos negativos. Eu acho que a psicoterapia está-se a transformar rapidamente de factonum albergue espanhol em que cabe tudo - uma mistura com terapias alternativas em que desde as ervas tal ao magnetismo não sei quê e a psicoterapia também vai por aí.

    A.H.: No mesmo pacote.

    O.G.: E portanto, aquilo a que eu chamaria um movimento light da psicoterapia. Portanto, assiste-se muito a um movimento light da psicoterapia. Isto corresponde até a uma certa vulgarização. Um dos grandes inimigos da psicologia em geral, e da psicoterapia em particular, penso que é este excessivo protagonismo que nós ganhámos na comunicação social. Quando alguns de nós começámos a trabalhar não se sabia o que era a psicologia sequer, tínhamos que fazer esforço para as pessoas perceberem que existíamos e hoje em dia temos que fazer esforço para ter algum anonimato, não é? Eu recebo todos os dias na minha Universidade telefonemas de jornalistas que querem que eu opine desde o corte de dez por cento nos salários até ao desaparecimento de uma criança e qual é a resposta que nós temos a este tipo de… portanto, tudo isto levou com que as pessoas aparecessem com soluções fáceis, com ideias rápidas, com prescrições e desmultiplicou também um conjunto de vale tudo em psicoterapia, de coisas pouco fundamentadas em termos psicológicos – já nem falo em termos neurobiológicos – mas sem qualquer fundamentação científica. Portanto, este eu diria que é o aspecto mais negativo. No aspecto mais positivo, eu diria que as próprias comunidades de saúde mental começam a reconhecer, em todos os campos profissionais, que é difícil ter acções benéficas nas áreas da saúde mental sem ter uma acção psicoterapêutica. O exemplo claro – eu faço muito esse tipo trabalho de formação de internos de psiquiatria – é nos internos de psiquiatria, por exemplo. Eu penso que nota-se nesta nova geração de psiquiatras (que é uma geração cada vez mais fundamentada cientificamente também nas neurociência) mas que isto - lá está – a par disto aparece um reconhecimento da importância das variáveis psicológicas e como isto é determinante nas próprias práticas da saúde mental. Portanto, eu diria que o reconhecimento da importância da intervenção psicológica, no domínio da psicopatologia e da saúde mental em geral, é o aspecto positivo e a potencialidade que nós temos para o desenvolvimento deste campo, no futuro.

    A.H.: Muito bem. Podemos então passar para um outro tema agora - formação e o treino dos psicoterapeutas?

    Part IV - Formação e Treino de Psicoterapeutas

    A.H.: Como é que entendes o velho dilema de formação dos psicólogos Boulder / Veil- devemos treinar cientistas praticantes ou clínicos profissionais? Imagino que defendes um modelo de treino fundamentado na Conferência de Boulder Colorado e não na de Veil.

    O.G.: Uma coisa curiosa, é preciso ter cuidado... há uma ligeira correlação negativa entre interesses de natureza científica e sensibilidade de natureza interpessoal, não é muito forte mas é ligeira. E, portanto, não é fácil nós sabermos até que ponto nós temos que equilibrar estes dois processos. Eu acho que a formação de psicoterapeutas deve ter uma forte componente, fortíssima componente de fundamentação científica, não de formação de investigadores científicos. Eu acho que temos que formar imensos investigadores para a psicoterapia mas eu não defendo que o psicoterapeuta tenha que ser um investigador. Agora, tem que saber ler investigação e tem que saber estar atualizado e compreender a investigação e acompanhar a investigação. Da mesma forma que eu acho que um médico tem que ter uma forte fundamentação científica no seu treino, estar perfeitamente actualizado e capaz de absorver a investigação mas dificilmente um grande neurocirurgião pode ser um grande neurocientista, o trabalho que tem de neurocirurgia e o acto neurocirúrgico impede-o da produção nesta investigação. Ou seja é muito importante dar uma base de formação científica fortíssima aos psicoterapeutas não necessariamente no sentido de os formar como investigadores. Alguns deles serão investigadores mas outros nunca farão investigação na vida mas serão fortes consumidores desta investigação. Eu julgo que o modelo de Boulder procurou que o psicólogo fosse simultaneamente um investigador e um prático, e acho que foi importante na fundamentação da prática científica da psicologia e cumpre aí uma determinada função de manter os psicólogos numa certa disciplina. E, de facto, eu considero ainda que o modelo norte-americano de formação dos psicólogos, o modelo geral, é um modelo fortíssimo e nós vemos a facilidade com que os psicólogos se integram em equipes pluridisciplinares, graças à grande formação que têm por exemplo em termos quantitativos, também em termos neurocientíficos embora tenham perdido durante um tempo, também aí, algo. E uma coisa curiosa, depois os psicólogos perderam muito foi investigação psicológica. Deixaram de ser treinados na própria investigação psicológica, nos processos cognitivos, coisas que de facto, por exemplo, os nossos colegas neurocientistas nos pedem muito, não é? Para trabalhar com modelos de cognição e modelos de aprendizagem e, obviamente, não pegando os psicólogos, outros profissionais vão sendo responsáveis pelo desenvolvimento. E tu vês Aníbal, que nós neste... hoje em dia vemos investigação avançadíssima na área de tomada de decisão é feita por neurobiólogos, na área da visão, percepção visual, é feita por médicos que investigam em neurociências, e isto são terrenos que muitas vezes os psicólogos foram desertificando. Mas, portanto, eu acho que a formação e a fundamentação científica é crucial mas - é importante dizê-lo - o psicoterapeuta não tem necessariamente que ser um investigador. Agora, tem que inspirar, tem que estar inspirado e ter uma atitude científica na sua prática profissional.

    A.H.: Então, nesse sentido o que é que poderia de imediato melhorar o treino e a preparação dos psicoterapeutas?

    O.G.: A primeira é uma formação muito forte em ciência de base psicológica (e hoje em dia é inseparável, do meu ponto de vista, das neurociências). Não para fazer aqui alguma publicidade mas nós acabámos de propor uma reestruturação do currículo do nosso curso de psicologia que vai claramente nesse sentido. Em que o 1º ciclo é, de facto, um ciclo que é organizado à volta de processos psicológicos do 1º ao 3º ano, no qual depois há várias contribuições. Há contribuições de pessoas que estão a estudar a aprendizagem e há as neurociências da aprendizagem, os métodos quantitativos sobre isto, sobre aquilo e, portanto, toda a formação é feita de uma forma de fundamentação nesses processos psicológicos. De tal maneira que quando eles chegam às dimensões mais aplicadas da psicologia (aqui no nosso caso vertente da psicoterapia - mas as vertentes aplicadas da psicologia em geral) sejam percebidas como formas de aplicação da ciência psicológica. E, portanto, que é isso que muitas vezes foi deixado de lado na formação dos psicólogos.

    A.H.: Mas precisamente a psicoterapia tem sido entendida como uma arte fundamentada numa ciência, não é? Temos ciência suficientemente desenvolvida e amadurecida para fundamentar as práticas?

    O.G.: Eu diria muito mais do que às vezes pensamos que temos. Eu penso que somos, enquanto comunidade psicológica, somos muito ignorantes da própria investigação que nós produzimos e, portanto, há um conjunto de investigação psicológica para a qual os psicólogos não têm sido suficientemente alertados. Aliás, neste momento uma associação internacional que eu acho que está a fazer um trabalho excelente nessa área que é a Association for Psychological Science - a APS - que tem contribuído de facto para trazer aos psicólogos (quaisquer que sejam os domínios onde eles estão a trabalhar) a relevância da investigação psicológica que é produzida nas mais diversas áreas. E, de facto, há investigação psicológica imensa com relevância para a nossa prática clínica que nós muitas vezes descuidamos, nomeadamente (no caso que me interessa mais) na investigação neurocientífica.

    A.H.: Preferimos as escolas, não é?

    O.G.: Exacto.

    A.H.: Ok. Achas que os psicoterapeutas deveriam lutar pela prescrição de fármacos? Caso os psicoterapeutas fossem autorizados, mediante treino adequado, tu prescreverias?

    O.G.: Eu costumo… esse é um dos temas… Eu dou uma unidade curricular aos meus alunos na área clínica, na Escola de Psicologia do Minho, que se chama Bases Neurobioquímicas da Psicologia Clínica, em que a primeira parte da unidade curricular são o estudo dos neuromediadores e como nós podemos mexer nesses neuromediadores e neurotransmissores, como é que podemos mexer neles (ou psicologicamente ou bioquimicamente) – os fármacos são formas de agirmos directamente sobre os neurotransmissores - os psicofármacos. Digamos que a compreensão do funcionamento dos psicofármacos, em si, não é preciso ser nenhum génio para perceber aquilo. Evidentemente que a prescrição de um fármaco é muito mais do que a prescrição de um fármaco, mesmo sob o ponto de vista biológico, não é? Há todo um sistema que é preciso saber lidar. Portanto, a grande questão não se põe aí. Eu, aliás, costumo dizer nessa unidade curricular - temos lá uma parte que é se os psicólogos devem ou não prescrever, lançamos essa discussão. A primeira pergunta que eu lhes coloco é “quem é que prescreve mais no nosso país?”. Os jovens começam a dizer: são os médicos de clínica geral, são os psiquiatras ou são o não sei quê… mas quem prescreve mais é o vizinho, não é? Que não tem uma grande, um grande treino psicofarmacológico, diz -“Á, eu tomo estas verdes também e junto estas amarelas e tal…”. Todos nós sabemos quando eles depois nos aparecem às consultas com o saco, com os amarelos, os vermelhos e os azuis que foram sendo prescritos pelo vizinho que é o principal agente de intervenção psicofarmacológica, depois é o ajudante da farmácia, às vezes também o farmacêutico (mas só vem na retaguarda da intervenção) e aqui e além o psiquiatra também vai prescrevendo uns psicofármacos. Eu costumo dizer aos meus alunos e repito aqui “para não prescrever é preciso saber muito” e, portanto, esse deve ser o grande dilema. Nós precisamos de saber muito para não prescrever e quanto mais sabemos menos queremos prescrever. Como sabes, eu sou casado com uma psiquiatra e às vezes ela diz-me “quem me dera não ter que prescrever que me dava outro campo de intervenção”. Portanto, a questão não se põe… porquê é que eu acho que os psicólogos não devem prescrever? Não é porque não possam aprender prescrever, não é porque não se possa fazer a formação para os psicólogos prescreverem. É porque há uma outra área de intervenção que é a nossa que é intervir nos nossos próprios processos psicológicos para modificar, chegarmos aos nossos próprios neurotransmissores. E essa é a nossa vantagem. É, por exemplo, imaginemos que nós estamos aqui a procurar melhorar a memória de todas as pessoas que estão a assistir a isto. Podemos dar um medicamento que facilite o processo de memorização – infelizmente ainda não são muito eficazes, a não ser em circunstâncias muito específicas – mas vamos imaginar que conseguíamos uma molécula que era eficaz, no sentido do armazenamento ou da facilitação mnésica para os nossos alunos, para os nossos doentes, para os nossos filhos. Fantástico...

    A.H.: Para nós próprios...

    O.G.: ... para nós próprios, fantástico, não é? Mas isto não era eficaz se eles não aprendessem nada, não é? Se não lessem, se não estudassem, se não assistissem. Portanto, não vale de nada um indivíduo que vai para o ginásio tomar esteróides anabolizantes se não faz musculação, não é? Portanto, é a função acompanhada do fármaco. A vantagem que nós temos na nossa intervenção é que nós, não só, intervimos nos processos mas damos conteúdos. A psicoterapia é isso - mexe nos processos e nos conteúdos - e, portanto, o fármaco mexe só nos processos não mexe nos conteúdos. Cria condições. Como eu muitas vezes digo aos meus pacientes “no início o fármaco pode-me ajudar imenso na psicoterapia com o paciente mas depois sou eu a ajudar o fármaco, já”. E, portanto, esta dinâmica é importantíssima. Os psicólogos precisam, de facto, de saber muito para não prescrever,  esse deve ser o grande objectivo.


    Part V - As questões dos Participantes

    A.H.: Ok. Em jeito de closing, na introdução de um dos teus livros encontramos uma frase que foste buscar à jornalista Manuel Vicent do ElPaís que eu gostava que comentasses e que eu cito – “A vida não é só uma forma de ir substituindo uns prazeres por outros, a carne da noiva pela de novilho, o levantamento de pesos pela leitura de uns versos de Eliot, sem que a glória se quebre”. Ainda te reconheceste nisto? Já lá vão dez anos... 

    O.G.: Obrigado Aníbal. Obrigado por me teres lembrado dessa frase. Nunca mais li o livro, portanto,... Uma das vantagens de escrever os livros é depois não termos que os ler e, portanto, nunca mais voltei lembrar-me dessa frase. Mas lembro-me, ao trazeres isso, lembro-me perfeitamente da memória que tenho de estar a escrever isso, de estar a retirar isso. Estava a acabar, nesse momento, o “Viver narrativamente” e essa frase que li de Manuel Vicent no ElPaís, era um Domingo de manhã e eu estava na Plaza Nueva em Granada, com a Alhambra à minha frente e com o Albaicin por detrás de mim. Isso quase metaforiza uma passagem de dois meses. Acabei o livro, mais ou menos, por volta dessa altura e, de facto, eu não vejo... eu utilizei essa frase com a qual ainda me sinto identificado mas que eu acho que hoje em dia é demasiado simplista. Eu acho que a gente nunca substitui completamente a carne da noiva pela carne de novilho. Junta a carne da noiva à carne do novilho, junta o levantamento dos pesos aos versos do Eliot – junta as duas coisas. Nós, de facto – e isso também é uma lição da neurobiologia – a nossa unidade genética tem um template. Esse nós não alteramos – o nosso template genético. Mas alteramos a expressão dos nossos genes e isso é a coisa curiosa. De cada vez que nós estamos a intervir psicologicamente numa pessoa estamos a desencadear uma mudança – desencadeamos a transcrição – produzimos a transcrição deste gene, portanto, de todo um conjunto de genes específicos - e, portanto, aumentamos e produzimos plasticidade a esse nível mas sem que a glória se perca. Ou seja, sem que o sentimento de identidade se perca. E, portanto, apesar de todas estas descontinuidades – a volta à narrativa, às neurociências, ao comportamentalismo ou ao cognitivismo – eu continuo-me a sentir eu próprio. Não é? Sentado ali na esplanada da Plaza Nueva.

    A.H.: Nós ficamos muito felizes por isso. Muito obrigado Óscar, por teres aceite este convite. Se calhar agora eu iria propor algumas questões que ainda queiram colocar, alguém dos nossos participantes e acompanhantes...

    Teresa Alfama: Bom, eu vi muitas das minhas dúvidas já discutidas durante a entrevista e foi muito produtivo para mim. Há um aspecto ainda que gostava de o ouvir falar que tem a ver com a diferente etiologia daquilo que nós denominamos como um mesmo sintoma (seja depressão, seja a ansiedade) poderão ter etiologias diferentes, a nível da neurobiologia do indivíduo. Como é que nós na consulta ou enquanto psicoterapeutas podemos, de alguma forma, ter isso em conta ou...? 

    O.G.: Pois, é uma questão de facto muito importante e sobre a qual nós ainda sabemos muito pouco porque a etiopatogenia que nós fomos construindo para as várias psicopatologias ou perturbações psicopatológicas com que vamos trabalhando ainda é muito uma etiopatogenia hipotética. Nós habitualmente atribuímos sempre multifactorial, uma série de factores de vulnerabilidade... e se quer que lhe diga, eu quando comecei a estudar mais nas áreas da medicina – porque fiz uma incursão forte, não só nas coisas das neurociências mas nas coisas da medicina em geral, que me pareceram importantes para perceber – e foi surpreendente aquilo de que eu fui dando conta - não tinha sequer consciência disso - também o grau de ignorância da etiopatogenia na maior parte das doenças ditas físicas, não só nas doenças psicológicas. Não é um processo no qual nós estamos de facto sozinhos. Há ainda muito, muito por descobrir. Mas vou-lhe por exemplo, dar um exemplo nas perturbações obsessivo-compulsivas que é um tipo de patologia que nos parece, à partida, como relativamente homogénea e mesmo, sob o ponto de vista neurobiológico, nós achávamos que tínhamos uma patologia neurofuncional relativamente homogénea. Ora, mais recentemente começamos a ver que havia circuitos, pequenos circuitos alterados, diferentes de um tipo de obsessão-compulsão para outro. Por exemplo, pegando naquilo que nós chamamos habitualmente os três grandes grupos – os lavadores, os verificadores e os acumuladores – se quisermos simplificar só nestes três grandes grupos de patologia obsessivo-compulsiva, verificamos que há circuitos específicos em cada um deles que estão hiperativados e que são diferentes dos outros. De uma forma interessante, são todos eles circuitos fronto-tálamo estriado-cortical. Portanto, destes circuitos fronto-subcorticais que eu estive a falar, nós temos essencialmente quatro destes circuitos e eles estão hiperativados de uma forma diferente, em cada um dos pacientes. Ora, eu acredito que ao conseguirmos validar isto, nós sabemos, por exemplo que um destes circuitos é um circuito muito mais motor – que sai de áreas mais do nosso córtice motor e portanto liga a áreas desde o subcórtice e, portanto, que está ligado a sintomatologia mais do tipo compulsivo - são aqueles tipos nossos pacientes obsessivos que são muito mais semelhantes naquele espectro, muito semelhantes com os pacientes tipo Gilles de la Tourette ou outro tipo de pacientes com perturbações de tiques. Ao passo que temos outros (e todos nós sabemos isso dos nossos pacientes obsessivos) que são muito mais emocionais - são habitualmente circuitos orbito-frontais subcorticais – e portanto em que os processos são muito já de natureza muito mais emocional. A compreensão disto, a percepção clara de que, de facto, isto corresponde a – eu não diria uma etio... eu retirava o etio, metia o patogenia porque depois perceber qual foi a causa disto, o que é que os levou de facto a que estes circuitos estivessem mais hiperativados do que outros, ainda é um processo ainda muito mais complexo mas pegando só na patogenia – o compreender isto pode nos ajudar a intencionalizar muito mais o processo terapêutico. E, por exemplo, com um paciente que tem,... estou-me a lembrar de um paciente obsessivo que vi em tempos que sempre que entrava numa igreja – era um homem extremamente religioso – e ao confrontar-se com imagens sacras, vinham-lhe imagens obsessivas de cenas sexuais. E portanto, obviamente os processos emocionais neste paciente estão muito mais hiperativados e vão ter de ser lidados de uma forma completamente diferente de um paciente que praticamente o seu comportamento obsessivo se repete num ritual de verificação sistemático, quase desprovido às vezes de emocionalidade. Quase anedótico, não é?, quer dizer..., portanto, não há qualquer prazer que ele tire daqui e até é alexitímico a qualquer emoção que esteja associada. E, portanto, os processos terapêuticos vão ser muito diferentes se vamos estar a trabalhar com processos obsessivos de natureza muito mais emocional dos outros com comportamentos muito motóricos. Portanto, a compreensão destes processos pode nos ajudar a guiar, a direcionar com muito maior especificidade a intervenção e não cairmos muito naquilo que nós neste momento ainda temos que fazer. Dá-nos um conjunto de intervenções (os psiquiatras fazem a mesma coisa: dão dois antidepressivos, um antipsicótico, um estabilizador de humor, isto e aquilo e acolá, porque procuram atacar em todas as frentes, enquanto ainda não conseguem perceber, por exemplo, se naquele paciente aquele tipo de antidepressivo é mais específico para aquele tipo de função que ele precisa. Portanto, eu acredito que este aumento da compreensão e que um maior conhecimento da psicologia que as neurociências nos vai trazer aumenta esta especificidade, precisamente por isto que acaba de chamar à atenção que é: nós temos grandes grupos e dentro desses grandes grupos temos patogenias diferentes. E, portanto, não nos chega dizer, hoje em dia dizemos a variedade de endofenótipos na esquizofrenia - temos muitos tipos de esquizofrenia diferentes. Agora já falamos de perturbações do espectro obsessivo-compulsivo. Já dificilmente nos queremos situar e dizer que há só um tipo de obsessão-compulsão e cada paciente obsessivo-compulsivo é um paciente diferente do outro e isto pode nos ajudar a perceber realmente estes pacientes. Enfim, acho que ainda estamos muito longe daquele momento em que podemos..., uma das coisas que fizemos esta semana, ahm... foi a primeira vez que se fez num hospital lá em Braga, que foi uma cirurgia, uma neurocirurgia guiada pela avaliação neuroimagiológica funcional que nós fizemos no laboratório. Ou seja, isto não tem nada de genial nem de original, é feito em diversas partes do mundo, mas é uma contribuição que nós podemos também dar. Portanto, o paciente tem um tumor, numa determinada área cerebral e o neurocirurgião quer saber, ao intervir naquele tumor, naquelas áreas onde ele vai intervir especificamente (vai ter que guiar a sua cirurgia) que tipo de funções ele vai afectar para poder tomar uma decisão de custos-benefícios. E, portanto, nós monitorizamos este paciente numa série de funções, de memoria, processamento de faces - aquelas que estariam mais associadas à área do foco da intervenção cirúrgica. Isto permite ao neurocirurgião, agora, guiar a sua intervenção e, portanto, nos podemos fazer estes estudos ou pré-cirúrgicos (em termos de neurologia funcional) ou até durante a própria cirurgia, em campo aberto (portanto, estar a ir monitorizando o paciente durante este processo). Ora, eu acredito num futuro (que eu espero que não seja muito distante, pelo menos que eu possa testemunha-lo mesmo que não possa ser participante ativo nesse futuro) que nós possamos ter formas de avaliação dos nossos pacientes que nos permitam guiar, de uma forma mais específica, a nossa intervenção. Nós dantes tínhamos os testes psicológicos, depois viraram neuropsicológicos (adjectivaram-se ou substantivaram-se de neuro para ganhar a função) mas desenvolveram-se antes das neurociências , aquilo que a gente chama de testes neuropsicológicos - a maior parte deles, neuro é à posteriori. Viram-se depois que estavam associados a funções neurocognitivas específicas. No futuro, nós vamos ser capazes de fazer isto através da investigação em neuroimagiologia funcional. Aliás, eu devo dizer que a maior parte da investigação de neuroimagiologia funcional é investigação de base psicológica (os paradigmas são psicológicos). Pronto, depois há todo o aspecto do processamento da imagem em termos cerebrais. E, portanto, eu acredito que no futuro nós podemos guiar também mais especificamente a nossa intervenção, através desta compreensão da forma como este paciente específico, obsessivo ou deprimido, está a processar as suas situações.

    A. H.: OK...

    Ana Ganho: Eu aproveitava então para lhe colocar uma questão, onde eu estou ainda um bocadinho confusa, mas de qualquer forma, existem ou vão começando a surgir tratamentos, à semelhança daquele que neste momento começou a ser desenvolvido nos Hospitais da Universidade de Coimbra de estimulação elétrica exatamente nos pacientes obsessivo-compulsivos e, daquilo que tem vindo a falar, eu entendo que o espaço da psicoterapia coloca-se nos conteúdos, mais do que nos processos. Mas não tem receio que a psicoterapia perca terreno com estes novos tratamentos que vão surgindo?

    O.G.: Boa pergunta, não é? E aí estamos num domínio interessantíssimo que a colega está... é uma das áreas, é uma das secções do nosso laboratório que é uma Unidade não-invasiva de Estimulação Cerebral. Para as pessoas que não conhecem, portanto, nós montámos juntamente com os serviços de psiquiatria dos Hospitais da Universidade de Coimbra e o Laboratório de Neuro-Modulação de Harvard, montámos um serviço de estimulação cerebral não-invasiva e, neste caso, o projeto começa precisamente com pacientes obsessivo-compulsivos e depois, eventualmente, alargar-se-á a outro tipo de patologias. Em que é que consiste este tipo de intervenção? São intervenções físicas, não é? De corrente magnética (corrente eléctrica por estimulação magnética). Trabalhamos duas essencialmente: estimulação magnética transcraneal e estimulação por corrente directa (transcraneal por corrente directa). Vou até começar por dar um exemplo do estudo - estamos a submete-lo este fim-de-semana para publicação – portanto, estou aqui a apresentar em primeira mão (nunca foi, a não ser no laboratório, este estudo ainda não foi apresentado), portanto, é o primeiro estudo que nós fizemos não com pacientes. É um estudo de estimulação por corrente directa, a ver se nós conseguimos modular uma coisa que é particularmente importante em termos clínicos que é o set shifting - seconseguirmos desencadear alguma flexibilidade no processamento cognitivo dos nossos pacientes (mudar em termos do shift perceptual ou motor, um conjunto de atividades motoras). E, portanto, testamos a estimulação por corrente directa de uma área mais motora e mais dorsolateral pré-frontal (portanto mais ligada ao processo cognitivo) e a ver se conseguimos por estimulação por inibição (por estimulação catódica) interferir com esta actividade e por uma estimulação excitatória (portanto anodal) se conseguimos facilitar. E as boas notícias é que conseguimos facilitar e conseguimos inibir. Ou seja, conseguimos por a pessoa mais inflexível ou mais flexível, quer sob o ponto de vista motor, quer sob o ponto de vista cognitivo. Isto pode ter implicações muito importantes, por exemplo, para o tratamento da perturbação obsessivo-compulsiva. O outro dado curioso é que tanto faz estimularmos a área da área suplementar motora ou o córtice dorsallateral. Portanto, acabamos por produzir o mesmo tipos de efeito ou efeitos mais ou menos semelhantes. Depois convido-vos a lerem o artigo, quando ele for publicado, portanto depois discutimos isso. Portanto, nós conseguimos através de uma forma de estimulação física facilitar, também, este tipo de processos. A sua pergunta é importante:isto retira à psicoterapia? De modo nenhum. Mas pode ajudar a psicoterapia, tal como (voltamos à metáfora da fisioterapia) o fisioterapeuta dá determinadas estimulações eléctricas ao músculo mas depois dá atividades musculares ao paciente para fazer - o caminhar, o fazer exercício, o repetir x vezes os exercícios e tomar um anti-inflamatório também - não é? E portanto, aqui temos três exemplos de cooperação de uma intervenção farmacológica, uma intervenção física de estimulação (neste caso do próprio músculo) mas que em si próprio não se substitui à intervenção psicoterapêutica. Se quisermos, de uma forma mais simples, aqueles de nós que gostam de fazer exercício e vão ao ginásio verificaram que começaram a surgir as formas de estimulação eléctrica passiva, não é? Começaram a vender os coletezinhos que davam choques e portanto, produziam... que pode facilitar sobretudo na recuperação funcional mas o grande fortalecimento dos grupos musculares (a hipertrofia que se procura criar) não é seguramente com aquelas pequenas estimulações. Portanto, eu acho que nós conseguimos facilitar até o próprio processo terapêutico se tivermos outros instrumentos (quer psicofarmacológico, quer em termos de estimulação física, no limite temos até cirurgia). Eu acho que era também uma mensagem que eu gostaria de dar porque às vezes vem esta ideia – pronto estamos a compreender melhor os processos patogénicos, nos diferentes tipos de patologia, porque é que não vamos para uma cirurgia? E os nossos colegas neurocirurgiões estão cheios de boa vontade nesse sentido, porque se nós lhes dissermos “ah isto é como no Parkinson!”. Portanto, nós temos aqui problemas em termos da dopamina na substância nigra, portanto, eles vão lá fazem uma intervenção a esse nível, colocam lá um electrodo, produzem uma estimulação nessas zonas e o paciente melhora ou não melhora, consoante as situações. Portanto, se nós damos ao neurocirurgião uma certeza absoluta sobre a localização, é evidente, o trabalho dele é fazer isso – ficam encantados, alargam de facto o espectro da intervenção. Estamos ainda longe disso mas podemos nalguns casos específicos já chegar aí. Por exemplo, neste caso até os Hospitais de Coimbra julgo que serão neste momento os únicos no país (que eu saiba) que fazem estimulação cerebral profunda na perturbação obsessivo-compulsiva porque há de facto (e todos nós tivemos isso) pacientes absolutamente refractários, gravíssimos em termos de perturbação obsessivo-compulsiva. Lá está, os tais extremos perfeitamente refractários em termos de intervenção psicoterapêutica, psicofarmacológica - e aí a nossa vantagem da nossa Unidade - e física não-invasiva que nós pretendemos que seja ainda um espaço antes da intervenção cirúrgica que deve ser sempre uma última opção. Mas há também aí um caminho, para algo também... uma lesão do músculo ou de uma articulação, também a determinada altura pode se ter que chegar à cirurgia. Portanto, eu acho que no meu ponto de vista, há uma forma de nós conjugarmos este tipo de intervenções. Por exemplo, no caso específico (que é uma das áreas que nos está a encantar neste momento) daquilo que nos interessa, particularmente na estimulação magnética transcraneal ou na estimulação por corrente directa, é precisamente ver em que medida é que ela é facilitadora dos próprios processos psicoterapêuticos. Neste momento, temos um ensaio clínico a decorrer no meu laboratório na Universidade do Minho, em que juntamos um processo psicoterapêutico modulado ou não (com estimulação externa ou estimulação terapêutica), modulado ou não com estimulação por corrente directa, para ver em que medida nos pode facilitar este processo. Mas a sua chamada de atenção é particularmente importante porque convém que ao enfatizarmos a importância destes métodos, não demos a ideia de que isto agora é simples. Se a gente coloca uns eléctrodos ou um coil no sítio certo e a mudança é simples. São indutores iniciais, tal como os infravermelhos no músculo podem começar a ajudar no processo de recuperação mas dificilmente resolvem o problema.

    A.G.: Eu gostaria de colocar mais uma, se fosse possível ou se não fosse abuso e julgo que é rápida. A expressão de que falava há pouco de que “caminhamos para as neurociências clínicas”, esta plataforma inter-universitária com a Associação Nacional de Imagiologia será já um reflexo deste percurso? Mas ao mesmo tempo mostrou-se algo pessimista de talvez já não poder presenciar esta evolução das psicoterapias abraçada à imagiologia.

    O.G.: Pois, eu penso que esta rede nacional de neuroimagiologia foi uma rede, para quem não sabe, criada entre a Universidade do Minho, a Universidade de Coimbra, a Universidade do Porto e a Universidade de Aveiro, junta dois grupos mais da engenharia e dois grupos mais das neurociências. Os grupos das neurociências somos nós – portanto, o meu Laboratório e o Instituto de Ciências da Vida e da Saúde, liderado pelo Professor Nuno Sousa na Escola de Ciências da Saúde da Universidade do Minho, o Miguel Castelo Branco, o IBILI, na Universidade de Coimbra (portanto, isto são grupos de neurociências) e depois junta dois grupos de engenharia - o grupo de Aveiro e o grupo do Porto e agora está se a tentar alargar a outras universidades. Eu julgo que esta rede é uma rede importante mas surge, sobretudo, de uma rede de partilha de um recurso. De um recurso que é o scanner de ressonância magnética de 3 Tesla que a FCT disponibilizou para a comunidade científica e dados os custos (não só de aquisição mas de manutenção) só o fez porque ela responde às necessidades de uma rede e não de um grupo específico. Portanto, nesse aspecto eu penso que deu uma contribuição ou está a dar uma contribuição importante mas eu diria que o desenvolvimento das neurociências vão muito para além do que se está a operar nesta rede e a rede, neste momento, funciona menos como um conjunto de processos avançados neste momento mas como uma partilha de recursos. Depois, cada um dos grupos está a trabalhar coisas específicas e obviamente a partilha entre os grupos pode desencadear ou contribuir para estes avanços mas dificilmente ficará restrito só a esta rede inicial.

    A.G.: Obrigada

    O.G.: Obrigado eu

    A.H.: mais alguma questão?  

    Marta Moreno: Eu tenho três questões. Não sei se tenho limite de tempo para ter que optar por...

    A.H.: Só o cansaço do Óscar...

    O.G.: Por mim tudo bem.

    M.M.: Algumas delas já foram sendo respondidas, por isso fico-me por estas três, sendo que duas já tinha e uma delas surgiu com o seu discurso. Antes de mais, queria agradecer-lhe porque é sempre bom ouvir mentes brilhantes que despertam curiosidade e que alimentam essa curiosidade, a meu ver mais com a procura das questões do que das respostas. E como tal, a minha primeira questão tem um pouco a ver com o trabalho da neuropsicologia, como tem ocorrido nas instituições hospitalares em Portugal. Em que medida tem trazido contributos para o desenvolvimento da psicologia clínica a nível hospitalar? Vai ao encontro das suas expectativas ou de algumas ideologias que possam ter trazido para este campo?

    O.G.: Muito obrigado pelos seus comentários, muito obrigado por essa questão. Eu diria que a neuropsicologia poderia trazer mais contributos do que traz, neste momento, precisamente porque não faz muita interface com os outros trabalhos na área da saúde mental. Infelizmente a neuropsicologia tem ficado muito restrita às perturbações neurológicas e dentro... isso depois depende dos grupos que estão a trabalhar dentro da área da neuropsicologia (não quero estar aqui a destacar uns em relação a outros) mas um dos defeitos também da neuropsicologia foi ficar muito centrada no diagnóstico psicológico. Numa fase inicial, era muito pedido isto – a avaliação neuropsicológica. Julgo que a partir do momento em que as coisas se começaram a por no domínio da neuroreabilitação ou neuroestimulação as coisas começaram a se alterar um pouco e os psicólogos começaram a ganhar, de facto, uma perspectiva que eu chamaria muito mais clínica (a outra chamo-lhe uma perspectiva de diagnóstico que obviamente também é importante mas é relativamente limitada). Aí, é que eu acho que os modelos começam a ser uns modelos particularmente interessantes, precisamente por esta capacidade ou estas capacidades que os neuropsicólogos foram desenvolvendo de se centrarem em processos específicos – como é que eu recupero uma coisa como a memória, como é que eu recupero uma coisa como a tomada de decisão, o funcionamento executivo, a linguagem (uma coisa tão complexa como a linguagem), uma afasia de broca, após um acidente vascular cerebral (uma coisa qualquer assim do género). E, portanto, esta especificidade eu acho que os psicólogos clínicos têm muito a aprender com esta especificidade. E, portanto, eu diria que os neuropsicólogos em Portugal ainda estão muito acantonados em serviços de neurologia, com uma ainda limitada capacidade para o cruzamento com outras áreas. Eu gostaria de os ver em formação conjunta. Portanto, acho que eles ganhariam também em perceber muita coisa que a psicoterapia foi desenvolvendo. Eu estou aqui a pegar num lado mas o mesmo poderia estar aqui a dizer a neuropsicólogos se estivesse a falar aqui com neuropsicólogo a importância de coisas que fomos desenvolvendo na psicoterapia. Eles, aliás pedem-nos muito (...) como são coisas mais emocionais eles têm dificuldade de trabalhar. Estou-me a lembrar de uma paciente que no seguimento de uma mastectomia teve um acidente vascular massivo, com alterações frontais e, portanto, fortes alterações do comportamento e da emocionalidade e os neurologistas e os neuropsicólogos, enfim, capazes de estar a trabalhar com ela a linguagem, as dificuldades de linguagem que ela tinha, as de memória mas quando chegaram aos aspectos emocionais – como é que hei de lidar com isto, esta agressividade dela face ao marido, face a isto como é que é? Com esta impulsividade sexual dela, como é que se lida com isto? A neuropsicologia tem trabalhado pouco isto – isto são áreas que têm sido trabalhadas mais pela parte dos psicólogos clínicos e dos psicoterapeutas. Portanto, eu diria de uma forma simples que há este cruzamento a fazer, um salto grande a dar e depois (uma coisa que eu diria se estivesse a falar para neuropsicólogo), diria que os métodos de avaliação têm que mudar completamente. E, portanto, o futuro da avaliação neuropsicológica passa para entrada dos psicólogos na avaliação neuroimagiológica funcional. Este é um caminho extraordinário, quer nos pacientes neurológicos em geral, quer na neurocirurgia (na intervenção dos psicólogos na neurocirurgia) e, portanto, à medida que os psicólogos forem capazes de passar de uma avaliação psicológica tradicional para uma avaliação mais funcional (com paradigmas mais psicofísicos e, sobretudo, com o apoio da neuroimagiologia), esse será o grande salto. Aliás, é isso que nos centros avançados de neuropsicologia, em termos mundiais, está a acontecer. Nós temos, neste momento, um protocolo com um dos grandes centros de neuropsicologia que é a Kessler Foundation, em New Jersey (com quem, aliás, vamos aprofundar um processo de formação conjunta nos próximos meses) e portanto, os psicólogos lá estão a trabalhar claramente já nesse sentido.

    M.M.: Hum-hum. E, agora que o oiço, vem a minha segunda questão relacionada com esta, ainda. Será que então poderia pensar que na formação de um psicólogo clínico, de intervenção hospitalar, deveria culminar ou estar em sintonia formação conjunta com neuropsicologia e psicoterapia ou deveríamos manter-nos nesta clivagem que existe, dos técnicos que trabalham mais na área da neuropsicologia, dos técnicos (também eles psicólogos) que trabalham mais na área do apoio psicoterapêutico (tudo a nível hospitalar) mas em comunhão. Ou seja, a trabalharem conjuntamente? Em que ponto é que acha (...)?

    O.G.: Pois, isso é uma questão difícil de eu pegar... eu vou-lhe responder de uma forma geral. Depois como isso se traduz depois nas vivências específicas de cada serviço, pode ganhar alguma complexidade, não é? Eu diria, de uma forma geral, eu gostaria que a formação fosse conjunta – um neuropsicólogo clínico em geral que tem formação em psicoterapia e tem formação em neuropsicologia. Penso que isso capacita muito, potencializa muito mais a formação dos psicólogos. Embora possa perceber que depois, nos contextos de funcionamento dos serviços, haja a necessidade de alocação e especialização melhor, mais de um psicólogo estar a trabalhar em oncologia, especificamente (com pacientes oncológicos) ou outro que está a trabalhar numa unidade de sexologia, ou numa unidade de esquizofrenia (de tratamento de pacientes com esquizofrenia). E, portanto, aí as pessoas podem estar especializadas. Mas todos eles ganham, do meu ponto de vista, de uma formação conjunta que implique um forte conhecimento dos processos psicológicos, um forte conhecimento dos processos psicopatológicos nos processos neurológicos e de todas as dimensões neurocientificas que estão por detrás disso.
     
    M.M.: Muito obrigada. A minha terceira questão tem a ver então com algo que eu o ouvi referir também relativamente aos pacientes obsessivo-compulsivos e que tem a ver com algo que disse, creio eu, no início que alguns modelos têm vindo a desenvolver que na intervenção, então em determinadas questões, nomeadamente pensamentos ruminatórios se utiliza a distração. E que considera, de algumas investigações que estão a ser desenvolvidas que um dos grandes benefícios das hipóteses dessas investigações verificarem será de que então não interessa caminhar para a distração mas sim para o foco. Percebi eu que esse foco seria manter na ruminação ou nas ideias ruminatórias (nesses pensamentos). A minha questão aqui, é mais no sentido de que a que nível isso seria uma novidade? Ou seja, partindo de alguns modelos mais atrás do que esses que caminhariam para a questão da distração como opção terapêutica, entendemos que o foco, sim e a centração naquilo que é, de facto, a ruminação do cliente (portanto, aquilo que de que ele realmente não consegue sair de). Portanto, se não consegue sair de é aí que se tem de estar), sendo aí que se tem de estar isto para mim não é novo. Não sei se será, de facto, um conflito meu quanto à novidade perante o foco ou se de facto há algo que eu não percebi na sua explicação.
     
    O.G.: Muito obrigado. Agradeço a sua questão porque eu não me fiz explicar claramente. E, aliás à medida que eu…, quando eu estava a falar nisso aqui dei-me conta que não me expliquei bem e é bom que tenha trazido essa questão porque o foco não é na ruminação mas sim no estímulo externo que desencadeia a ruminação. E, portanto, vamos imaginar que eu vejo uma imagem (vou pegar num dos estímulos que nós estamos a utilizar nessa investigação) que eu vejo uma imagem de uma mutilação, por exemplo, e imediatamente o que acontece (o que nós pensamos que acontece) com o paciente obsessivo que nós estamos a testar, é que o paciente desliga dessa mutilação e entra num processo ruminativo interno, em lugar de se focar na imagem que está e de a processar sensorialmente. O que acontece, por exemplo, nos sujeitos ditos normais é que quando nós aumentamos a intensidade emocional do estímulo (do estímulo visual, neste caso específico - nós estamos só a trabalhar com estímulos visuais; podíamos estar a trabalhar com outros mas neste estamos só a trabalhar com estímulos visuais) nós, em sujeitos ditos normais, nós temos quanto maior a intensidade do estímulo emocional, nós temos maior ativação do córtice visual. Portanto, há uma correlativa ativação – quanto maior o impacto emocional, maior o grau de processamento visual. E aquilo que dá a ideia que se está a passar, eventualmente, nos pacientes obsessivos é exatamente o contrário – quanto maior é a intensidade, menor o processamento visual. Aliás, se quisermos de uma forma mais simples (se retirarmos os obsessivos e pensarmos de uma forma mais simples) – um paciente fóbico que vê uma cobra, não é? E de repente entra num processo emocional, ele nem está capaz de olhar a cobra. Ou o paciente claustrofóbico num elevador que não está capaz, sequer de olhar e como nós até (como você diz e muito bem) no processo terapêutico vamos centrando: onde é que está ali o elevador. Olhe aqui, que cores é que ele tem? O que é que está a ver? Não é? Descentrar do processo ruminativo que ele está a ter e centrá-lo no processamento sensorial da experiência. Portanto, não é na ruminação mas sim no estímulo externo. De qualquer das maneiras, a segunda componente da sua questão continua a ter toda a razão de ser e em muitas destas situações eu não digo que aquilo que a gente vá retirando da investigação neurocientífica nos vá trazendo algo de completamente inovador porque nós andamos a tratar gente há muito tempo e temo-lo feito mais ou menos, segundo dizem as investigações. E, portanto, devemos estar a fazer coisas certas. O que às vezes eu acho é que fazemos muitas coisas e estamos a desperdiçar (podemos ser muito mais focais). E, portanto, em muitas destas coisas podemos ir encontrar formas de perceber melhor aquilo que nós estamos a fazer. Há um escritor que eu gosto muito que eu vos aconselho a ler (é um colega nosso, psicoterapeuta) e escreve thrillers psicoterapêuticos. Não é o Luís Joyce Moniz que também teve o azar de nascer em Portugal e portanto, não é tão famoso como este nosso colega que é o Stephen White. E é uma forma extraordinária de se aprender. Eu costumo dizer que não se aprende a fazer psicoterapia lendo o Stephen White, não se aprende a fazer medicina lendo o Robin Cook mas nota-se a sensibilidade – eu aconselho. Ele tem um livro muito bonito que se chama Kill Me, foi um dos últimos que ele publicou (salvo erro o penúltimo). Não há nada dele traduzido em Português infelizmente... e o livro começa de uma forma muito curiosa que é um indivíduo que chega à consulta (o herói é um psicoterapeuta sempre, a personagem principal) e, portanto, chega à consulta e começa a, como acontece muitas vezes com os nossos pacientes (não sabem muito bem o que é que hão de dizer – cada vez sabem mais porque vêm na televisão, nas novelas e portanto já começam a trazer o guião do que é suposto dizer – os pacientes chegam, hesitam e não sabem o que é que... ). Este paciente começa a contar uma história “não sei o que é que me vem agora à cabeça de estar aqui - lembrei-me da minha fisioterapeuta”. E começa a contar esta história ao terapeuta, na primeira consulta:“sabe, as fisioterapeutas têm uma coisa curiosa (...) a minha é muito boa, chama-se Cindy, tem uma coisa curiosa. Sabe que a maior parte do trabalho do fisioterapeuta, a fisioterapia é feita com uma mão que às vezes é a esquerda, outras vezes é a direita. Depois muda, dependendo da posição ou da área que está a trabalhar (...)”. E diz ele “a Cindy é excepcionalmente boa naquela mão mas eu tenho, não sei porquê, a impressão que o segredo dela está na outra mão, aquela que nunca está a dar a massagem.” E é esta mão da Cindy, a mão não dominante que eu acho que nós temos que perceber na psicoterapia. Há ali uma mão que a gente não sabe muito bem. Fazemos, seguimos o manual, dizemos aqui e nunca sabemos, especificamente. Só para acabar de responder a esta sua estimulante questão, uma vez uma paciente minha que eu fiz o manual narrativo, tal e qual (aliás, julgo que descrevo num ou noutro livro meu vários momentos do processo terapêutico). Lembro-me que no final do processo terapêutico com ela, perguntei-lhe (como faço muitas vezes com o paciente, para ver se os pacientes também me ajudam a perceber os grandes ingredientes da mudança) quais foram os momentos mais importantes e ela disse: “Ah! Foi uma vez, aí na terceira consulta, numa sessão muito difícil eu estive a falar da minha vida, em como hipotequei a minha vida a isto, àquilo, aqueloutro e tal... um dia muito cinzento num sítio lá em Braga numa rua muito escura, estava muito chuvoso e no final da consulta o senhor fez uma coisa... foi o momento talvez mais importante que mudou um pouco o meu processo terapêutico.” E Eu perguntei-lhe então o que é que foi. Parece que no final da consulta, quando a consulta estava a acabar (de facto eu lembro-me de ter sido uma consulta muito dura para ela) quando ela se ia a dirigir para a saída eu fiz uma coisa (permitam-me a imodéstia, enfim, deixá-la aqui imortalizada nesta imagem), eu peguei no casaco dela e pus-lhe o casaco sobre os ombros. Foi uma técnica psicoterapêutica que me ensinou a minha mãezinha quando tínhamos visitas em casa. E ela relata aquilo como tendo sido o elemento crucial para ela. Então ela saiu (a história não acaba aí), ela saiu, dirigiu-se a uma mercearia em frente e comprou um chocolate twix (perdoem a publicidade) e a partir daí sempre que ia à consulta ia à mercearia em frente consultar, comprar o chocolate twix. Eu costumo depois dizer que não sei muito bem se foi o casaco, se foi o processo terapêutico, se foi o chocolate twix e as interferências da dopamina no chocolate. O que eu quero dizer com isto: não sabemos ao certo, há um conjunto de coisas que nós não temos a certeza mas temos que perceber o que é que está, do conjunto destas coisas - bom, falar da massagem e falar do casaco. O Michael Meaney (não é Mahoney é o Meaney) há uns anos  - que é um dos grandes investigadores do comportamento animal, como vocês sabem, uma das formas como as ratas mãe vão tratando das suas crias, na área das neurociências chama-se o licking and grooming (o lamber, o assear... portanto, estão constantemente a fazer isso). Ratas que são submetidas a situações de stress diminuem muito esse licking and grooming e as crias das mães que não fazem licking and grooming (hoje em dia até é possível fazer um shut-off de determinados genes e eles não fazem essa estimulação corporal) ficam muito mais vulneráveis ao stress. Portanto, aquilo tem uma função protetora. Portanto, essa massagem, esse tratamento é altamente protector. Depois se já mais tarde pusermos mães substitutas que fazem licking and grooming as crias ganham plasticidade, portanto melhoram. O que o Michael Meaney foi fazer foi ver o que é que faz o licking and grooming, em termos dos neurotransmissores. Portanto, mostrou em termos de uns receptores específicos da serotonina um aumento da expressividade desses receptores, portanto, dos processos neurobiológicos que estão subjacentes a isso. E, portanto, eu diria que na psicoterapia (como você diz e muito bem) muitas vezes nós não vamos descobrir nada de novo porque há muitas coisas que nós estamos a fazer bem. Vão sobreviver neste processo de seleção natural e possivelmente outras poderemos aperfeiçoar a partir daí. Mas esse é o fascínio às vezes - de percebermos aquilo que estávamos a... a razão neurocientífica que está por detrás daquilo que estávamos a fazer.

    M.M.: Muito obrigado.

    A.H.: Muito bem. Mais alguma questão?

    Cacilda Nordeste: Eu por acaso tinha uma mas entretanto com esta resposta já foi respondendo, que era: apesar deste novo caminho das neurociências como é que seria, hoje em dia, o Óscar clínico...

    O.G.: Eu ainda sou! Eu ainda sou clínico. Não deixei... eu vejo entre 12 a 15 pacientes por semana. Portanto, penso que é uma (juntamente com o...) é uma carga clínica considerável. E essa é uma questão que eu me coloco várias vezes – Sou melhor clínico ou sou pior clínico à medida que vou percebendo melhor cada um destes processos? Seguramente sou diferente (não sei se sou melhor, se sou pior - sou diferente). Julgo que sou mais focalizado no meu trabalho. As neurociências têm me ajudado a focalizar mais especificamente no meu trabalho, a fazer um conjunto de trabalhos ou tarefas terapêuticas mais orientadas, mais focalizadas naquilo que me parece ser importante no paciente. Dou por mim mais atento a processos psicológicos, por exemplo, a que eu dava menos atenção. Durante muito tempo o meu trabalho foi com o trabalho com a linguagem, por causa do trabalho da narrativa. A narrativa, nesse aspecto, é um processo curioso porque não é só linguagem – é linguagem, é memória, é atenção, é processamento emocional, é funcionamento executivo, é processamento sensorial. De facto, a linguagem é um processo integrativo em termos neurocognitivos (essa é a sua força e é a sua fraqueza, a sua inespecificidade) e, portanto, hoje em dia dou por mim a ir mais modularmente a processos que têm mais a ver com a atenção, a exercitar mudanças de atenção, coisas mais específicas em termos de linguagem, a trabalhar coisas mais específicas em termos da memória. Isso eram coisas que eu já trabalhava na narrativa... memória episódica, enriquecimento de memória episódica... Por exemplo, foi no trabalho até das demências (de como na recuperação dos processos... no início de um processo de demência nós utilizamos coisas da narrativa que são muito curiosas, que já fazíamos na psicoterapia mas agora fazemos nas neurociências), vamos buscar acontecimentos biográficos específicos e trabalhamo-los sensorialmente e hoje em dia sabemos porquê. Sabemos que esse trabalho sensorial mais contextualizado é um dos trabalhos centrais da memória do hipocampo e, portanto, é uma das que é primariamente afectada no início da maior parte dos processos comuns da perda demencial. Sabemos, também, que se intensificarmos a emocionalidade no processamento destas memórias autobiográficas, facilitamos conexões amigdalo-hipocampais e, portanto, fixamos mais essas memórias. E, por exemplo, como é que nós agora coisas que sabíamos da psicoterapia trazemos para a neurologia e da neurologia reforçamos na psicoterapia. Por, exemplo, nos pacientes depressivos uma das coisas que a investigação nos tem mostrado é que as memórias autobiográficas são habitualmente memórias mais inespecíficas (aquilo que alguns investigadores chamam de memórias mais sobregeneralizadas. Hoje em dia percebemos que possivelmente está ligado a alguns (sobretudo nos tipos de depressão mais induzidas por stress, burnout, coisas desse género), mais ligadas a perdas hipocampais. Ao reforçarmos memória mais episódica, autobiográfica mais episódica (sobretudo no quotidiano, a que estamos a desenvolver – memória anterógrada), nós estamos... por exemplo, trabalhava muito memória retrógrada na psicoterapia, agora trabalho mais memória anterógrada (parece-me mais importante na maior parte dos pacientes, sobretudo nos pacientes de espectro mais depressivo). E, portanto, noto que há um aumento deste grau de especificidade que tem me ajudado a guiar e, seguramente, não me tem desencorajado de fazer psicoterapia, bem pelo contrário.
     
    A.H.: Muito bem. Óscar, obrigadíssimo, foi fantástico.


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