Psicoterapia e Neurociências - Part I,II
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O convidado nesta nova gravação, desta vez em volta da psicoterapia e neurociências, é o Professor Óscar Gonçalves, psicoterapeuta, investigador e Professor Catedrático de Psicologia da Universidade do Minho.
A entrevista teve lugar a 19 de Fevereiro de 2011, em Lisboa, e segue a seguinte estrutura:
Part I - Da Psicoterapia às Neurociências.
Part II - Modelos e Práticas em Psicoterapia, integracionismo.
Part III - Manuais, tratamentos empiricamente suportados, evolução das psicoterapias.
Part IV - Formação e Treino de Psicoterapeutas
Part V - Questões dos participantes (apenas em PDF)
Video and English Transcription version Soon.
Psicoterapia e Neurociências | PDF
Part I - Da Psicoterapia às Neurociências
Part II - Modelos e Práticas em Psicoterapia, integracionismo
Part I - Da Psicoterapia às Neurociências
Aníbal Henriques: Óscar, obrigadíssimo por aceitares este convite da Sociedade e este formato de entrevista. Nos últimos anos o teu percurso sugere uma crescente aproximação à biologia, às neurociências e à experimentação. Como é que tu te situas hoje em termos teóricos e meta-teóricos? Continuas um cognitivista, um comportamentalista, um construtivista? Sentes-te tanto investigador, como neurocientista, como psicólogo clínico, sem que daí resulte necessariamente qualquer incompatibilidade ou contradição?
Óscar Gonçalves: São uma série de questões e não são fáceis. Antes de mais, obrigado Aníbal por este convite, por esta oportunidade para esta conversa. Se calhar uma das coisas que me aproximou mais das neurociências foi o desalento com essa excessiva carga ideológica que as psicoterapias têm e vêm tendo nos últimos anos - se se é cognitivista, se é comportamentalista, se é humanista, experiencial... - Eu julgo que isso testemunha algum atraso do desenvolvimento da psicologia em geral e da psicoterapia em particular, que é um pouco o produto da nossa ignorância acerca do que é a patogenia em termos psicopatológicos e quais são os principais ingredientes da mudança terapêutica. E foi isso. Foi um processo de afastamento progressivo - com esta balcanização da psicologia - e a aproximação às neurociências foi também um regresso. Eu comecei (não sei se sabias isso) eu comecei na área da experimentação e comecei na área da psicofisiologia. O meu primeiro trabalho foi como monitor de psicofisiologia (...).
A.H.: Embora a estudar os processos subliminares, não é?
O.G.: Mesmo antes disso, comecei a investigar sono (já há muitos anos, em 1979, foi o primeiro trabalho que eu tive) e pronto, depois fui fazendo o meu percurso. Portanto, eu continuo-me a considerar um psicólogo, continuo a ser um clínico, sou um psicoterapeuta e eu acho que a psicoterapia ganha imenso com a aproximação às neurociências. Uma metáfora que eu utilizo hoje em dia com os meus alunos – nem todos gostam – é a metáfora da fisioterapia. Eu acho que a psicoterapia deve tomar como modelo a fisioterapia. Ou seja, essa capacidade de nós percebemos o que é que está mal e recuperarmos funcionalmente o nosso paciente de uma forma o mais específica possível. Para isso precisamos de compreender muito melhor a patofisiologia e as implicações que a recuperação funcional - neste caso funcional psicológica - trazem nesta patogenia. Eu penso que hoje em dia a psicoterapia ainda está muito como ‘sauna e massagens’ - uma pessoa tem uma lesão no joelho e vai fazer uma massagem, tem umas saunas, mas não tem um trabalho de recuperação funcional. Eu acredito que a psicologia irá evoluir para uma maior especificidade, para guiarmos estereotaxicamente a nossa intervenção, portanto sendo muito mais específica, muito mais focal, muito mais centrada na funcionalidade e para isso, obviamente, as neurociências penso eu que estão a ajudar.
A.H.: São o caminho.
O.G.: Ajudam bastante neste processo.
A.H.: Muito bem. Esta assumida aproximação às ciências biológicas e bio-comportamentais, às neurociências, significa apenas uma maior valorização das variáveis biológicas ou também uma desvalorização das variáveis psicossociais.
O.G.: Significa, provocatoriamente, uma maior valorização das variáveis sociais.
A.H.: Explica lá isso.
O.G.: Por que… uma forma, às vezes errada, das pessoas perceberem algum do desenvolvimento das neurociências é pensar que a contribuição das neurociências para a psicologia passa por um determinismo neurobiológico, um determinismo biológico. Ora o avanço das neurociências vai precisamente no sentido contrário - no sentido de mostrar como é que a funcionalidade psicológica altera a matéria biológica, produz plasticidade biológica. E, portanto, a mim exactamente o que me interessa é como é que nós podemos utilizar a funcionalidade - o psicológico, o comportamento, a cognição nas suas várias dimensões, a linguagem, a percepção, a memória, a emoção - para produzir plasticidade em termos dos sistemas neurobiológicos. E essa tem sido a grande contribuição das neurociências. Eu costumo dizer aos meus alunos que quando eu estudava, nos anos 70 e era aluno de psicofisiologia, se nós disséssemos que os neurónios continuavam a multiplicar-se na vida adulta reprovávamos. Hoje, se dissermos que não há neurogénese na vida adulta reprovamos.
A.H.: Grande diferença, não é?
O.G.: Portanto, quer em termos de neurogénese, quer em termos de sinaptogénese - portanto do aumento da plasticidade sináptica e do aumento da plasticidade neuronal, portanto do aumento do número de neurónios - é uma das evidências maiores que nós temos, quer no ser humano, quer nos vários modelos animais. Portanto, há de facto uma aproximação, eu diria, aos modelos psicológicos e aos modelos sociais, no sentido de demonstrar a eficácia que eles têm na alteração dos processos neurobiológicos. Ou seja, a mim não me interessa como é que nós podemos utilizar processos biológicos (interessa-me, mas não enquanto operante do próprio sistema) como é que podemos utilizar neurocirurgia ou como é que utilizamos psicofarmacologia para produzir plasticidade nos vários sistemas neuronais, para alterar as várias redes de comunicação neuronal. A mim o que me interessa é como é que nós podemos trabalhar psicologicamente para alterar isso. Mais uma vez, voltamos ao modelo da fisioterapia - o fisiatra receita um anti-inflamatório, o fisioterapeuta produz uma funcionalidade no músculo ou na articulação para recuperar a estrutura neurobiológica e, obviamente, a recuperação da estrutura neurobiológica cria espaço para a expansão dos sistemas cognitivos e dos sistemas comportamentais. Portanto, estou mais próximo da psicologia por causa da neurobiologia.
A.H.: Perfeito, fantástico. A teu ver, que contributos estão já as neurociências a dar para um abrir de horizontes da psicoterapia? Por exemplo, os trabalhos do Dan Siegel, do Louis Cozolino, que tentam precisamente fazer a ponte entre psicoterapia e neurociências. Ou seja, o conhecimento do cérebro pode mesmo informar e influenciar a psicoterapia de forma determinante ou devemos prepararmo-nos para o desaparecimento da psicoterapia ultrapassada por uma nova ciência?
O.G.: Hum hum. Boas questões. Para já começando pelo Cozolino ou pelo Siegel, eles não dão nenhum contributo em si. Quer dizer, são duas obras introdutórias importantes que chamam a atenção para avanços na neurobiologia e como é que esses avanços da neurobiologia podem contribuir para pensar a psicoterapia de uma forma diferente. Há sempre que ter algum, eu tenho sempre algum receio na adesão pronta e rápida que psicólogos – neste caso até são psiquiatras – têm aos novos modelos. Há muitos anos, nos anos 50 foram os modelos de sistema de processamento de informação, que vieram influenciar as ciências cognitivas. Os psicólogos embarcaram rapidamente na metáfora, esqueceram-se foi de estudar matemática e engenharia de sistemas. E nas neurociências a mesma coisa, de repente o cérebro ganha novo espaço de metáfora e, portanto, acaba por ser um instrumento…
A.H.: Demasiado pregnante.
O.G.: Exactamente. Mas se ficarmos pela metáfora perdemos o essencial disso. Nós, de facto, ainda sabemos pouco como é que as neurociências podem contribuir para os avanços em termos da psicoterapia. Evidentemente que nós podemos reformular tudo aquilo que fazemos de psicoterapia em termos de mecanismos cerebrais. Dizia-me aqui há uns tempos um colega em Itália - “Ah, o trabalho que eu faço lida com a amígdala, o que faz o outro colega lida com o hipocampo…”. É uma boa maneira de falar, de encontrar novas metáforas para as mesmas coisas. Mas nós temos que saber exactamente o que estamos a afectar com que tipo de intervenção. Eu vou-te dar, se quiseres, um exemplo de investigação que nós estamos neste momento a fazer. Por exemplo, uma das perturbações – entre várias perturbações que nós estamos a trabalhar no laboratório, neste momento – uma das perturbações é com os pacientes obsessivo-compulsivos. Sob o ponto de vista psicológico, todos nós sabemos o que é que se passa com os nossos pacientes obsessivo-compulsivos - a sua dificuldade de inibir um determinado comportamento ou de inibir um determinado pensamento ou de inibir um comportamento e um pensamento. Sob o ponto de vista neurobiológico é, talvez, das patologias em que temos alguma evidência muito clara. Nós sabemos que há uma hiper-activação de uns circuitos que são os circuitos fronto-subcorticais e que, portanto, há ali uma hiper-activação desses circuitos e que muito possivelmente estão ligados a esta dificuldade que o paciente tem nesses processos de inibição.
A.H.: De parar, de interromper, não é?
O.G.: Ora, nós na psicoterapia, uma das questões que se nos levanta é: qual é forma mais eficaz de fazermos isto? Devemos fazer paragem de pensamento? Quando os pacientes se confrontam com o estímulo indutor da sua obsessão ou da sua compulsão devemos fazer distracção? Muitas vezes confrontamo-nos com isso, com os nossos pacientes na psicoterapia - porque é que não olha para o lado? Porque é que não pensa noutra coisa? Uma coisa curiosa é que nós verificamos há uns tempos, revendo a literatura antes de iniciarmos este projecto, é que os pacientes que melhoravam – em estudos neurobiológicos, portanto, de neuroimagiologia – os pacientes que melhoravam no tratamento ou psicoterapêutico ou psicofarmacológico na obsessão-compulsão tinham uma normalização desta hiper-activação dos circuitos fronto-subcorticais. Portanto, havia ali uma normalização. Parecia que quer a psicofarmacologia quer a psicoterapia – neste caso comportamental e cognitiva – era eficaz na normalização desses circuitos. Analisando com mais detalhe a investigação, nós verificamos que, de uma forma curiosa, isto era feito à custa de um aumento de activação de áreas mais ligadas ao processamento sensorial visual – neste caso a áreas mais occipitais – e portanto dava ideia que, olhando para este tipo de pacientes, eles conseguiam inibir estes processos fronto-subcorticais, esta hiper-activação - e portanto inibir os seus próprios comportamentos e as suas próprias cognições obsessivas - activando melhor processamento sensorial. Isto, por exemplo, faz sentido para todos nós que fazemos psicoterapia com pacientes obsessivo-compulsivos – o perceber que eles quando são confrontados com um estímulo que é ansiógeno – desencadeador da sua obsessão ou pensamento ou algo, um estímulo externo – desencadeia um shut off do processo sensorial rapidamente e entra numa ruminação em relação ao estímulo. Nós o que estamos, por exemplo, a estudar neste momento em estudos de neuroimagiologia funcional, é se isso de facto é evidente, com estímulos de forte intensidade emocional versus estímulos de menor intensidade emocional que sejam indutores destas obsessões e compulsões (são pacientes obsessivos de alguma gravidade). Se nós temos uma maior híper-activação fronto-subcortical e uma menor activação das áreas occipitais e visuais. Assim sendo, isto tem… vamos imaginar que esta hipótese que nós estamos a trabalhar –publicámos, aliás, no ano passado na Medical Hipoteses, este artigo -, vamos imaginar que nós confirmamos que isto é verdade. Ora, isto tem uma implicação importantíssima para a psicoterapia. Por exemplo, mostra que é inadequado desencadearmos processos de distracção. Que uma forma importante é, por exemplo, desencadear um forte processamento sensorial do estímulo em termos visuais - levá-los a confrontarem-se com o estímulo e a trabalharem, por exemplo, aquilo que eu no trabalho da narrativa chamava objectivação do próprio estímulo. Isto só para te dar uma ideia de como as neurociências nos podem ajudar a ter uma acção terapêutica muito mais focal. E nós muitas vezes o que fazemos - sabemos que há um conjunto de coisas relativamente inespecíficas que nós fazemos na psicoterapia e que é melhor que façamos do que não o façamos, mas não temos a certeza se aquilo está a ser específico do processo. Todos nós somos empáticos, todos nós temos uma aceitação positiva incondicional, todos nós somos genuínos, todos nós desencadeamos aliança terapêutica com o paciente. Mas para além de isso, qual é o grau de operacionalidade e eficácia que nós podemos ter? E aí as neurociências podem nos ajudar imenso.
A.H.: Para além dos factores comuns, não é?
O.G.: Exactamente.
A.H.: Os teus temas de pesquisa actual, ao que julgo saber, assentam na interacção entre marcadores neurocognitivos e a sua estrutura cerebral e seu funcionamento em perturbações desenvolvimentais, doenças neurodegenerativas e processos psicopatológicos. Poderíamos dizer que nos últimos anos te interessam mais perturbações ou doenças com maior probabilidade de uma alteração cerebral estrutural e tanto a investigação fundamental como a clinicamente orientada e aplicável?
O.G.: Mais uma vez… digamos que no início essa questão poderia ter uma resposta afirmativa. Eu acreditava, quando comecei a investigar nas neurociências, que havia de facto uma descontinuidade entre o que são alterações estruturais e alterações funcionais. Que aquilo que nós chamamos alterações neurológicas, ou por exemplo alterações do neurodesenvolvimento, como o Síndrome de Williams (que é um síndrome que nós estudamos muito) ou a esclerose múltipla (uma doença desmielinizante), ou uma demência de Alzheimer ou estudos que nós fazemos, por exemplo, com pacientes com traumatismo crânio-encefálico, estávamos perante alterações de natureza estrutural. E depois tínhamos um conjunto de outras patologias (que são aquelas que nós habitualmente enquanto psicoterapeutas trabalhamos), em que temos alterações de natureza funcional - em que a estrutura está mais ou menos intacta mas a função está alterada. E portanto, basicamente, o mundo das artes das neurociências clínicas dividia-se entre estes dois grupos: aqueles que tratavam a estrutura – habitualmente um tratamento habitualmente frustrante – e aqueles que tratavam a função. A investigação ajudou-me a perceber que não é bem assim. Isto é um processo de continuidade e que toda a alteração da função é uma alteração da estrutura. E, mais uma vez, isto é obra de modelos psicológicos. Eu vi que publicaste um pequeno vídeo da história do Eric Kandel – prémio Nobel da Medicina, um dos poucos prémios Nobel da Medicina psiquiatra, das áreas mais ou menos mais próximas em que nós trabalhamos – e o Eric Kandel mostrou que ao nível de um ser tão simples como a Aplísia – foi aquilo que que lhe deu o prémio Nobel – os processos de memória, quando nós passamos de processos de memória mais a curto prazo para memórias mais a longo prazo (portanto com processos de estimulação), a partir do momento em que nós damos grandes processos de estimulação todo o processo de alteração proteica que aí se desencadeia aumenta de facto a probabilidade de transcrição genética, e portanto de plasticidade sináptica nestes animais e os animais mudam estruturalmente. E, portanto… aliás uma coisa curiosa, se nós num processo de aprendizagem – vamos imaginar nalgum efeito neste encontro que nós que estamos aqui, se está a transformar num processo de aprendizagem para as pessoas que estão a assistir e para nós próprios – e se nós conseguíssemos medir com algum pormenor aquilo que se está a passar, se fossemos ao nosso hipocampo e dentro do nosso hipocampo fossemos a um tipo específico de neurónios, que são os neurónios piramidais do hipocampo nos circuitos de formação de memória que tem umas espinhas que são chamadas as espinhas dendríticas - muito possivelmente os nossos processos de aprendizagem aqui poderiam corresponder a uma maior arborização dendrítica. Ao corresponder a uma maior arborização dendrítica, alteraram a estrutura do nosso hipocampo e, portanto, o nosso hipocampo mudou em termos da sua forma, mudou em termos da sua estrutura e mudou - ainda por cima uma coisa curiosíssima - mudou a volumetria, aumentou a volumetria. Isto é uma coisa interessantíssima porque à medida que nós trabalhamos com meios neuroimagiológicos de maior potência - e estamos já a trabalhar ao nível do 7 Tesla (não aqui em Portugal mas lá fora; nós aqui trabalhamos 3 Tesla e já não é mau) - mas já se conseguem ver alterações ao nível da estrutura. Ainda recentemente, foi publicado um estudo acerca dos efeitos da meditação (o que quer que seja que isso significa e está subjacente à meditação) em termos de alteração de várias estruturas cerebrais. Portanto, um programa sistemático de meditação, num grupo ligado ao Richard Davidson em Madison, das alterações que isso desencadeia em termos da própria estrutura. E portanto, mesmo quando estamos a trabalhar fora da patologia, no domínio da aprendizagem e da plasticidade normal, nós estamos a desencadear alterações estruturais. E portanto, eu diria que em tudo me interessa esta continuidade, de tal maneira que também me permite perceber que, se calhar, nas alterações ditas mais estruturais, em que há por exemplo uma alteração genética do neuro-desenvolvimento (no Síndrome de Williams temos uma delecção de um conjunto de cerca de 20 genes que têm uma grande alteração no neuro-desenvolvimento daquelas pessoas) e, portanto, há limites para a capacidade de recuperação cognitiva e funcional destes pacientes. Mas há espaço, há espaço de plasticidade e, portanto, mesmo aí interessa-me perceber como é que nós estamos capazes de chegar e, nestas alterações estruturais, desencadear um efeito. Por isso é que trabalhamos com patologias que vão desde síndromes do neuro-desenvolvimento, como o Síndrome de Williams, a uma patologia possivelmente do foro neuro-imunológico – não temos a certeza absoluta – que é a Esclerose Múltipla.
A.H.: Muito bem, interessantíssimo. Vamos talvez mudar de tema - ou não - vamos falar de modelos, escolas, e práticas em psicoterapia.
Part II - Modelos e Práticas em Psicoterapia, integracionismo.
A.H.: Nos anos 80 e 90 deste um forte contributo, tal como o Professor Luís Joyce Moniz, para a divulgação do cognitivismo, do comportamentalismo, do desenvolvimentismo e do construtivismo, podemos entender estes modelos como abordagens menos saturadas ideologicamente e mais próximas de uma fundamentação científica e empírica?
O.G.: A minha esperança era que sim, quer dizer eu fui… os meus primeiros amores era o comportamentalismo, não é? Eu fui treinado como terapeuta comportamental. Eu costumo quase dar esse exemplo, exagerando, que quando comecei a fazer prática clínica, quando fui fazer o meu estágio no hospital - num hospital psiquiátrico no Porto – o meu primeiro estágio de facto, de enfrentamento clínico, eu era um fervoroso crente da ciência psicológica e para mim na altura a tradução da ciência psicológica na prática psicoterapêutica era o comportamentalismo. Um indivíduo que… eu basicamente percebendo como é que se tratava uma fobia às cobras, não é?
A.H.: Sim, exactamente.
O.G.: Eu podia tratar tudo. Era tudo pequenas variantes a partir deste processo de aprendizagem - se permites Aníbal tu já terás ouvido esta história mas vou repeti-la aqui porque às vezes as grandes revoluções epistemológicas que nós temos são os nossos próprios pacientes que nos trazem. Eu lembro-me de um paciente meu que me ajudou, foi talvez um dos primeiros pacientes que me ajudou a perceber as potencialidades e os limites da crença que eu trazia numa ciência que dava os seus passos mas que tinha ainda muito caminho para andar. Este paciente era um paciente – sorte de principiante - que me apareceu à consulta, na altura nós chamávamos-lhe mais uma claustrofobia, hoje chamar-lhe-ia uma perturbação de pânico com agorafobia, era um mecânico que me apareceu à consulta, tinha medo de entrar dentro do carro, trabalhar dentro da mala do carro, andar debaixo do carro…
A.H.: Locais confinados, não é?
O.G.: Locais confinados, o típico ataque de pânico, eu lembro-me que terei passado a primeira consulta a fazer uma avaliação cuidadosa de todo aquilo que… das contingências, tudo ali. Mandei-o vir na semana seguinte – não que não o pudesse ver no dia seguinte mas tinha aprendido que era na semana seguinte, portanto mandei-o vir na semana seguinte. Não tinha muitos pacientes portanto preparei cuidadosamente a análise funcional, desenhei o meu modelo terapêutico todo para o processo terapêutico e percebi “eu com x sessões resolvo o problema… faço isto, vou-lhe ensinar aquilo…” - na altura sabia a dessensibilização sistemática, que preparei. E o paciente apareceu-me na consulta seguinte com um ar muito animado e simpático, eu julgo que tinha desenvolvido uma boa aliança terapêutica com ele na primeira consulta, e disse-me “bom eu nem estava a pensar vir aqui à consulta hoje mas resolvi vir para lhe agradecer porque estou curado”. E eu costumo dizer que na altura terei pensado que a psicoterapia comportamental sabia que era rápida mas não sabia é que era tão rápida, não é? Isto simultaneamente para um jovem que se inicia nas artes psicoterapêuticas é gratificante e inquietante.
A.H.: Assustador, não é?
O.G.: Gratificante porque “uau, aqui está!”, logo à primeira, uma consulta e este já está curado. Inquietante porque “o que é que eu fiz?”, não é? Sobretudo o que é que eu não fiz, porque eu não fiz aquilo que era suposto fazer, e como é que ele muda sem eu fazer aquilo que deveria ter feito. Bom, o homem lá me explicou o que é que fez, fez aliás uma coisa curiosa, saiu da consulta… e diz ele que na consulta foi particularmente importante aquilo que eu lhe disse – e eu não sabia bem o que é que lhe tinha dito que tinha sido tão importante – e ele disse “mesmo aquilo que o Sr. Dr. me disse no final da consulta”. E eu não me lembrava especificamente o que é que de tão importante lhe tinha dito no final da consulta e ele lá me confessou que aquilo que eu disse foi – quando estava já quase a acabar a consulta, ele desesperado a ver que a consulta tinha passado e eu não lhe tinha dado nenhuma prescrição específica – ele disse “ah, sabe, tenho medo que um dia destes eu morra de uma coisa destas, tenha um ataque cardíaco e morra” e eu ter-lhe-ei dito, em jeito de o descansar, “não se preocupe que ninguém morre de ansiedade, a ansiedade sobe, sobe, sobe e a partir de uma altura não sobe mais”. E ele foi a pensar nisso e chegou a casa à oficina e pediu ao funcionário que trabalhava com ele, que ia trabalhar para dentro da mala do carro, que fechasse a mala e que ele nem que tocasse que não o deixasse sair de lá, porque ele ia sentir-se muito mal mas não ia morrer daquilo. E portanto eu lembro-me que tive claramente a consciência nesse momento que havia um conjunto de outras coisas que não as aprendizagens específicas, e comportamento, e o pensamento, e as crenças das pessoas que são elementos também muito importantes no processo terapêutico e que se calhar eu não dava muita atenção até a esse ponto. Portanto, isto para te dizer que na altura os modelos comportamentais eram para mim a forma de traduzir aquilo que era o conhecimento da ciência na prática psicoterapêutica, da mesma forma que os modelos cognitivos o foram (particularmente a partir dos anos 60, da grande revolução cognitiva, a consciência que os psicólogos começam a ter de que se não mudarem os processos de atenção, os processos de memória, os processos de linguagem... (bom, e depois o desenvolvimento, não é?). Eu vi o Construtivismo um pouco como uma forma de utilizar esses processos para abrir o indivíduo potencialmente aos processos de construção, numa perspectiva de que nós somos capazes de construir o nosso próprio cérebro, de uma forma pró-activa e de uma forma intencional. Confesso (enfim, estou a dar esta entrevista para uma Sociedade de Psicoterapias Construtivistas, sinto-me confortável de o fazer porque sei que a perspectiva da Sociedade não é esta) mas desagradou-me rapidamente o Construtivismo se transformar numa nova ideologia, numa nova capela conceptual. Eu fui aliás dos grandes resistentes a este processo, quando o Michael Mahoney e o Vittorio Guidano – os dois já falecidos – procuraram criar a Sociedade Internacional de Psicoterapias Construtivistas, eu opus-me porque o que eu achava interessante eram aqueles fóruns que nós tínhamos de discussão. E, portanto, eu devo-te dizer que a partir do momento em que estas coisas também se institucionalizaram, enquanto agrupamento, correm o mesmo risco e portanto eu hoje em dia sinto-me relativamente equidistante de todas essas sociedades e de todas essas perspectivas.
A.H.: Muito bem. Mas neste oceano de perspectivas e de conhecimentos mais ou menos fragmentados por disciplinas e áreas de intervenção – que são as escolas e os modelos de psicoterapia - apesar de tudo, eles funcionam como abrigo e como âncoras organizadoras de alguma confiança para os psicoterapeutas – sobretudo para os jovens, não é? – oferecendo limites/linhas de orientação e de confiança para lidar com situações clínicas e humanas frequentemente demasiado complexas, não é? Contudo isto é feito – como acabaste de dizer – de uma forma ideologizante e portanto redutora e acabam por se constituir também as escolas em obstáculos a uma tão necessária abertura e flexibilidade epistémica dos psicólogos e psicoterapeutas. Então, são um mal necessário as escolas e os modelos para as nossas práticas? E como é que vês o contributo destas escolas e modelos para a nossa evolução e desenvolvimento como psicoterapeutas ou como cientistas praticantes?
O.G.: Eu julgo que elas existem por duas razões essenciais. A primeira é porque as instituições que formam, que deveriam formar os psicoterapeutas, universitárias, técnicas – podem ser os próprios hospitais ou as clínicas ou o que quer que seja – ainda não estão capazes de se organizar, no sentido de dar resposta cabal à formação dos psicoterapeutas – esta é uma das razões. Depois existem – e esse é uma boa razão para isso, como tu dizes, uma forma de os psicoterapeutas se associarem, de se capacitarem, de se apoiarem mutuamente, de trazerem rigor e reflexão para as suas práticas, de monitorizarem e de instituírem sistemas de controlo de qualidade interpares da sua prática. Portanto essa é uma boa razão, embora eu ache que deveria ser na comunidade dos profissionais, em geral, e não em sociedades específicas mas são as circunstâncias que levaram a esse desenvolvimento, não é? Essa é uma boa razão. A outra resulta, de facto, no meu ponto de vista, de uma insuficiência ainda do nosso conhecimento acerca das psicoterapias. Aliás, só isto justifica que se mantenham a par modelos que foram desenhados de há 200 anos a modelos mais actuais, mais baseados na investigação mais actual. Somos talvez das poucas ciências em que isto acontece, em que os vários paradigmas científicos coexistem e não são substituídos uns pelos outros, à medida que nós vamos avançando - pelo contrário, levam a esta balcanização. Penso que isto também teve a ver com o nascimento da psicoterapia. Eu não costumo situar o nascimento da psicoterapia no Freud – há quem situe, eu acho que isso é um pós-facto – o nascimento é o Mesmer, não é? De facto com a primeira formulação das doenças e com um modelo interessante do magnetismo animal.
A.H.: Diz-te mais do que a psicanálise?
O.G.: Foi aí que começou. Numa coisa que era relativamente mais ou menos enigmática, pegando nos modelos da física da altura, hipotetizou a existência de campos magnéticos que possivelmente estariam distorcidos no indivíduo e desencadeou um conjunto de manobras para os alterar. Isto desencadeou uma grande controvérsia mas... aliás, o primeiro ensaio clínico por Luís XVI, é proposto pelo Luís XVI e dirigido pelo Benjamin Franklin, quando a academia real decide verificar então o que é que se passa. Eles fazem um ensaio clínico, com placebo e tudo e verificam uma coisa curiosíssima que vai determinar o futuro da psicoterapia. Verificam que, de facto, não se poderiam atribuir à magnetização os efeitos terapêuticos das manobras do Mesmer mas nenhum punha em causa que havia um efeito terapêutico daquilo que o Mesmer faziae que ele chamava a magnetização. E daí até agora o que é que nós temos? Temos um conjunto de hipóteses que se vão formando – da psicanáliseao comportamentalismo, aos mais de 500 modelos terapêuticos que foram surgindo – como uma forma explicativa daquilo que de facto se passa. Porque numa coisa nós temos evidência - é que os pacientes mudam, não sabemos é muito bem porque é que mudam, não é? E depois, juntam-se escolas a dizer “nós acreditamos que os pacientes mudam deste modo” e ao lado acreditam de outra forma, um conjunto de outras pessoas que as pessoas mudam através de determinados ingredientes. Por exemplo, a psicofarmacologia passou por isso. A maior parte dos psicofármacos de todos os grupos nascem antes da compreensão sequer até dos neuromediadores. Um dos primeiros antidepressivos a iproniazida era um tuberculostático, não é? E portanto, notou-se foi que os tuberculosos que andavam a ser tratados com esse tuberculostático andavam mais bem dispostos. Fizeram um ensaio clínico e verificaram que era um anti-depressivo, tinha um efeito anti-depressivo – estava-se longe de saber que era um inibidor da monoaminoxidase, o que depois mais tarde se veio a compreender qual era o princípio activo daquele medicamento, não é? A mesma coisa com o Lítio e outros medicamentos. E portanto, há um conjunto de coisas que nós fazemos e sabemos que são eficazes mas ainda não sabemos quais são os mecanismos e é isto, é nisto que nós temos de nos debruçar. E eu tenho esperança que quando isso aconteça a excessiva carga ideológica que nos leva à constituição de sociedades distribuídas, passe para uma perspectiva completamente diferente. Hoje em dia não faz sentido haver o grupo dos terapeutas que prescrevem fluoxetina, aqueles que prescrevem fluvoxamina e os que prescrevem um outro tipo de antidepressivo qualquer. Eu acho que é por aí que temos que caminhar. Portanto, há uma dimensão positiva no meu ponto de vista, e outra que é mais negativa nesta constituição das sociedades.
A.H.: Como muito bem saberás muitos modelos de psicoterapia procuram actualmente fundamentar os seus princípios e procedimentos básicos em termos neurocientíficos. O EMDR é um deles, a Terapia de Coerência é um outro destes modelos que assume que muitos sintomas e perturbações que os nossos pacientes nos apresentam são memórias e saberes, produtos de experiências únicas - aprendizagens subconscientes - que é necessário trazer para a consciência e transformar, acreditando já que estes circuitos neuronais se podem reestruturar e modificar. Como é que entendes este esforço de fundamentação neurocientífica e em que medida são favoráveis aos desenvolvimentos que desejamos na área?
O.G.: Pois, eu diria que na maior parte dos casos são aquilo que eu diria movimentos oportunísticos de ligação à metáfora, não é? Isso tudo podemos sempre dizer. Se isso for inspirador de uma procura de validação, de facto, científica dos processos, encantado. Mas não como uma fonte de retribuição de um grupo ideológico. É dizer, OK o grupo dos terapeutas construtivistas ou dos terapeutas familiares, finalmente está aprovado, têm aqui o certificado de qualidade e de garantia IP101 que nós estamos validados cientificamente. Aliás, eu acho que o movimento das terapias empiricamente validadas é ainda um processo muito incipiente, não interessa saber porque é que a terapia é eficaz. Aquilo que se procurou a determinada altura – obviamente isto foi um movimento muito pressionado pelas seguradoras nos E.U. que não queriam estar a pagar sessões de psicoterapia indefinidamente sem ter uma forma de certificação, disseram vamos lá ver como é que se pode reduzir os gastos com base nalguma evidência. E portanto, definiram-se – aliás os psicólogos foram buscar à Food and Drugs Administration os critérios de validação dos medicamentos e aplicaram à psicoterapia. E portanto, começaram a surgir determinado tipos de tratamentos com determinado tipo de efeito, quando comparado nesta e naquelas circunstâncias, obedecendo a determinadas regras e podemos dizer que a terapia é empiricamente validada. Agora, porquê? Satisfaz-nos isso? É já algum conforto que aquilo que nós estamos a fazer nos dá alguma segurança no trabalho com os pacientes mas é relativamente inquietante nós não sabermos especificamente porque é que nós fazemos isso, não é? E é esse o caminho que nós temos que fazer, em lugar de procurar que determinados agrupamentos terapêuticos ou metodologias terapêuticas procurem esta forma de se ligarem rapidamente à metáfora. A Psicanálise, por exemplo, está a fazer muito isso. Vários grupos de psicanalistas que estão a procurar fortalecer os seus modelos com base nas neurociências mas numa perspectiva meta-teórica e não numa perspectiva de validação da investigação. Por exemplo, nós sabermos que… estudos como o Ledoux, que são estudos - de Joseph Ledoux no processamento emocional (do circuito curto do medo) - mostrar que as reacções mais rápidas ao medo são de facto reacções inconscientes e que depois são posteriormente modeladas por circuitos mais longos do medo. Bom, isto é uma validação dos processos inconscientes? Sim, quer dizer, é de facto uma validação de que há processos que operam fora de uma organização cortical e de uma tomada de consciência e que influenciam claramente as nossas respostas aos estímulos. É uma validação da teoria do James-Lange das emoções – muito antes. Portanto procurar, de facto, fazer com que isto encaixe em modelos que depois vão muito para além disto parece-me um exagero. O que de facto eu acho como mais importante é pegarmos em alguns dos elementos ou algumas propostas dos mecanismos de acção terapêutica e que os procuremos validar, experimentar com as diferentes metodologias que temos à nossa disposição.
A.H.: Nesse sentido, alguns autores entendem que as escolas e modelos tenderão a desaparecer e a dar lugar a princípios orientadores fundamentais de trabalho com problemas específicos ou a processos fundamentais de trabalho com a emoção, com a cognição, com o comportamento e a motivação. Acreditas nesta tendência e desenvolvimento e, se sim, em que medida estamos já nesse limiar ou muito afastados?
O.G.: Acredito, acredito, acredito - três vezes de facto. Esse é o caminho do meu ponto de vista mas há limites para a plasticidade dos terapeutas e do movimento psicoterapêutico. O que é que eu acho… Quando as profissões se vão organizando criam-se super estruturas terríveis que depois se alimentam a si próprias e, portanto, isto depois … tudo isto são de facto obstáculos ou podem representar obstáculos. As pessoas procuram um pouco isto “isto é… valida. De facto o que eu disse…”, não é? A forma como nós acomodamos os nossos processos aquilo com que previamente nós tínhamos construído – é um processo normal. Piaget dizia “a dialéctica entre o coelho e a couve”- quando o coelho come a couve não é o coelho que se transforma em couve, é a couve que se transforma em coelho, não é? E portanto, nós somos sempre – nesta perspectiva construtivista – o coelho e a couve e vamos sempre procurando que esta couve se transforme em nós. E isso pode de facto ser perverso neste processo. Eu acredito profundamente que o caminho é por aí. Quanto tempo isso levará, não sei. Agora, acredito que se os psicólogos não forem por aí, se a psicologia não for por aí – e a psicologia está particularmente equipada para ir por aí – alguém irá. E isso é, aliás, uma das coisas curiosas. Neste momento, o meu trabalho é com gente das várias áreas neurocientificas (neurologistas, psiquiatras, neuroradiologistas, gente que trabalha também em neurociências básicas, neurobiólogos, neurobioquímicos) e é uma coisa curiosa quando a gente está a trabalhar com eles (com a excepção dos psiquiatras que já estão também suficientemente deseducados a esse nível mas por exemplo se não forem aqueles psiquiatras de orientação mais biológica – quando nos pedem qualquer coisa eles acham que quando nos estão a dizer -“Oh pá… isto, vamos ver então, juntar isto e juntar a psicoterapia” - e se eu lhes levanto a questão - “Mas que psicoterapia?”.
A.H.: Pois, não sabem.
O.G.: “A psicoterapia. Então não é isso que vocês fazem? Umas coisas que vocês fazem, que são muito importantes, não é? Da aprendizagem ”. E é isto que a comunidade científica espera de nós. Um dos primeiros estudos que nós fizemos na área neurocientífica foi curioso que foi com o grupo do Nuno Sousa e colaboradores da Escola das Ciências da Saúde da Universidade do Minho (que é um neurocientista das áreas mais básicas, embora ele também seja um neuroradiologista, um médico). E foi um estudo muito curioso com ratos em que nós procuramos ver em que medida é que os nossos animais submetidos a stress os afectávamos em várias tarefas de natureza psicológica, por exemplo a tarefas de memória de trabalho, a tarefas mais de funcionamento executivo, e portanto verificávamos que os afectávamos em vários processos psicológicos – a memória espacial, etc., etc. – e depois fizemos reabilitação. Aquilo que o Nuno Sousa – aliás publicámos um pequeno artigo sobre isso numa revista espanhola de psicoterapia que era dedicada às neurociências, aPsicoterapia de Barcelona, do Guillem Feixas e colegas – e, portanto, aquilo que o Nuno Sousa pediu é “vamos fazer uma espécie de psicoterapia a estes animais. Vocês desencadeiem aqui um processo…” e nós fizemos. Fizemos um processo de aprendizagem aos animais, de estimulação da aprendizagem e encontrámos uma coisa curiosa, conseguíamos recuperar psicológica e neurobiologicamente os animais mas era de uma forma específica: os ratos que nós trabalhávamos memória de trabalho recuperavam em termos de memória de trabalho, os que trabalhávamos em termos de memória espacial recuperavam memória espacial, e por aí a fora. E, portanto, não era um one size fits all, era uma coisa de facto muito específica que nós conseguíamos nestes animais. E eu penso que na psicoterapia o caminho também vai nesse sentido -o que é que nós podemos para recuperar deste tipo de função? - por exemplo, se nós temos processos de memória, por exemplo, há um tipo de patologia em que temos processos memória auto-biográfica alterada, nós sabemos como é que trabalhamos a memória auto-biográfica na psicologia em geral. E até nesse aspecto a neuropsicologia é curiosa, é um modelo curioso para os psicoterapeutas porque se focalizam muito mais. A neuropsicologia habituou-se, sobretudo no domínio da reabilitação, a ser muito mais modal na intervenção. O neuropsicólogo vai trabalhar uma função específica utilizando essa função e recuperando essa função. Aliás, tenho esperança – respondendo no fundo a essa questão – que o futuro, seja o futuro das neurociências clínicas. O Erick Kandel dizia que um dos grandes erros da história da medicina foi a separação entre a neurologia e a psiquiatria – até por aquilo que nós estávamos a falar do que é o estrutural e o funcional. A psicologia mimetizou sempre também a medicina, não é? E, portanto, separou a psicologia clínica da neuropsicologia clínica. E eu acredito que na medicina vamos assistir – não tenho a certeza, porque também temos psiquiatras e neurologistas, lá está, não porque os pacientes precisem que eles se dividam nestes dois agrupamentos – mas acredito que no futuro os avanços da medicina vão aproximar a neurologia e a psiquiatria, e isso já está a acontecer. E, da mesma forma, vão aproximar a neuropsicologia e a psicologia clínica e é possível que nós cheguemos a uma área terapêutica em geral que são as neurociências clínicas, em que os médicos - neurologistas ou neuropsiquiatras se quisermos - trabalham de facto com uma das formas de chegar aos processos que é mexendo directamente no cérebro, no bio e nós mexendo directamente no comportamento e na cognição, mas ambos mexendo nas duas coisas, directa ou indirectamente.
A.H.: Muito bem, perfeito, vamos esperar que sim. Óscar dirias que as escolas e modelos de psicoterapias estão de facto a evoluir no sentido da integração?
O.G.: Não sei, eu gostaria que fosse do desaparecimento, não é? Se a integração significar desaparecimento...
A.H.: Seria bem-vindo, não é?
O.G.: ... seria bem-vindo. Eu acho, aliás, que só caminharão para integração se for o desaparecimento enquanto modelos e escolas, não é? - Não se justifiquem como modelos e escolas.
A.H.: Mas nós vimos esse paradoxo, não é? Que o movimento integracionista deu lugar a ainda mais modelos.
O.G.: Mais modelos, exactamente, porque... integracionismo de 1ª, 2ª e 3ª ordem, portanto, e depois integracionismos… Aliás, há uma coisa curiosa, mesmo nas sociedades de psicoterapia eu sempre me senti mais próximo da Sociedade para a Investigação na Psicoterapia – Society for Psychotherapy Research – do que da SEPI – Society for the Exploration of Psychotherapy Integration. Porquê? Porque achei que a Society for Psychotherapy Research tinha esta perspectiva de procurar chegar lá pela investigação, portanto, de procurar ver em que medida é que nós percebemos o que é que se passa. Por um lado, perceber os resultados mas perceber o que é que se passa em termos do processo. E nesse sentido é muito curioso porque é muito uma sociedade sem ideologias. Na Society for Psychotherapy Research, que eu ainda frequento de vez em quando, ninguém sabe muito bem se aquele é psicanalista ou se é terapeuta interpessoal... a gente sabe a investigação que eles estão a fazer mas não sabemos muito bem qual é a ideologia que está por trás. Aliás, às vezes há surpresas interessantes “Ah… o tipo de psicoterapia que eu faço é interpessoal”, “ah, ai sim? não fazia a mínima ideia”. Porque aquilo é um fórum de compreensão em termos da investigação dos processos. Portanto, eu acho que é mais por coisas deste género – não sei se a Society for Psychotherapy Research conseguirá isto, ou sequer se almeja chegar a esse ponto – mas acho que é mais pela compreensão dos processos e da relação entre os processos e os resultados, do que pelo grande debate ideológico, pela criação de meta-modelos que procuram integrar outros mas depois que por sua vez têm que ser integrados também e, portanto, é… é aquele esquema das bonecas russas, pequenas, maiores…
A.H.: E ficamos aí.
O.G.: Ficamos por aí…